Tuesday July 05, 2011
Anonymous: Porque a complexidade dos seres vivos não serve como evidencia de uma inteligencia divina que a tenha criado?
Existem vários motivos para isso. Primeiro, ao afirmar que algo foi feito ou planejado por uma inteligência divina não especificada não nos aproximamos em nada da compreensão de como esta complexidade originou-se. Apenas substituímos um mistério por outro. Sem compreender os motivos, os métodos e os objetivos desta inteligência e os detalhes do processo de planejamento e criação (e principalmente sem poder investigá-los) continuamos sem saber como tal complexidade veio à tona. É uma inferência vazia, sem conteúdo explicativo verdadeiro e, de certa forma, um tipo de petição de princípio uma vez que é preciso assumir que algo como essa entidade exista e que seja capaz de criar complexidade ao invés disso resultar como uma conclusão da cadeia de inferências. Continuaríamos tão ignorantes como antes, não existindo perspectivas de nos aprofundarmos nos detalhes de como isso se deu.
Como tal inteligência estaria fora do domínio da investigação científica e até da compreensão humana, como defendem os criacionistas, nos depararíamos com uma barreira intransponível. Segundo, seria arbitrário (sem conhecer e até mesmo poder estudar os motivos, métodos, objetivos desta inteligência e os detalhes do processo de planejamento e criação) simplesmente afirmar que ela planejou os seres vivos diretamente, criando-os em um estalo, ou apenas interferiu em alguns de seus detalhes, quem sabe controlando as mutações, ou apenas criou as leis naturais mais fundamentais (quem sabe em um momento pré-Big Bang) e deixou que elas mesmas dessem conta disso. Sem saber o modus operandi e os objetivos de tal entidade não poderíamos afirmar qualquer uma dessas coisas com segurança, muito menos apresentá-las como inferências científicas sérias.
Esse tipo de postura é inútil aos cientistas enquanto tais. As ciências como processos de investigação em aberto não podem fazer muita coisa dentro de uma perspectiva como essa que nos condena a ignorância de antemão. Muitos cientistas que são teístas ao entenderem isso separam bem suas crenças em uma inteligência criadora que está por trás (de alguma forma não especificada) da evolução dos seres vivos e da origem do universo, da investigação de como esse processo se deu. Afinal de contas, para um criador sem restrições nas habilidades, inteligência e, principalmente, cujos objetivos finais são incognoscíveis, não faria sentido apresentá-lo como uma hipótese científica informativa.
Terceiro, conhecemos vários mecanismos naturais capazes de gerar a complexidade em sistemas químicos, físicos e biológicos. A abordagem naturalista das ciências é a que até o momento tem mostrado os melhores resultados e não há motivos para rejeitá-la mesmo que tenhamos dificuldade de explicar e até de estudar muitas coisas. A biologia evolutiva é um desses campos que floresceu através dessa abordagem e vem nos revelando cada vez mais detalhes do processo de evolução que é capaz tanto de aumentar como diminuir a complexidade ao longo do tempo.
Abraços,
Rodrigo