Tuesday July 26, 2011
Anonymous: "A crença nos milhões de anos não provém dos dados da ciência mas sim de crenças construídas com o expresso propósito de destruir a Autoridade da Bíblia." Vi isso em um site. Como refutar um sujeito assim?
Na realidade é importante não inverter o ônus da evidência, ou seja, a quem cabe demonstrar ou corroborar uma dada asserção. A antiguidade da terra ou o chamado “tempo profundo” é algo que veio à tona ao longo do tempo, mesmo antes das teorias evolutivas, em um época em que os cientistas ocidentais eram em sua maioria cristãos, acreditavam na bíblia e na criação. Cabe aos criacionista da terra-jovem trazerem evidências científicas que validem suas ideias e não o contrário.
A cronologia atual de nosso planeta é o resultado de um longo processo histórico de investigação científica multidisciplinar, no qual geólogos e outros Cientistas da Terra inferiram, através de muitas abordagens complementares (como a dendrocronologia, deposição anual de camadas de sedimentos e de gelo, documentação dos processos de formação e erosão de estruturas geológicas, estimativas dos movimentos das placas tectônicas e, por fim, as técnicas de datação radiométrica) que a terra possuía de fato bilhões de anos (e não apenas milhões e muito menos milhares como querem os defensores da terra jovem).
Como Robert Hazen deixa bem claro as técnicas de datação são todas coerentes entre si e mostram a factualidade do “tempo profundo” e, portanto, da longa história de nosso planeta. Além disso, é importante salientar que essa conclusão insere-se perfeitamente em um cenário mais amplo, aquele relevado pelos estudos de astronomia e cosmologia, em relação a origem e datação do sistema solar e do universo como um todo. Estes resultados emergem, portanto, de conhecimentos calcados nas nossas melhores, e mais bem suportadas empiricamente, teorias da física moderna, especialmente a relatividade geral e a física nuclear, da qual também vem as estimativas por radio-isótopos. Esse processo foi o resultado de um movimento coletivo e gradual da comunidade científica e não uma fruto de mera oposição política.
Todas essas informações, advindas de diversas linhas de investigação e metodologias diferentes, acabaram por convergir, reforçando-se mutuamente. E tais evidências estão amplamente disponíveis e são aceitas por pesquisadores das mais diversas orientações filosóficas e religiosas. Apenas os fundamentalistas não as aceitam e procuram achar ‘furos" na montanha de evidências convergentes que são consensualmente aceitas pela comunidade científica.
Para justificar a afirmativa de que tal conclusão tenha sido “construída[s] com o expresso propósito de destruir a Autoridade da Bíblia.” é preciso postular uma conspiração gigantesca sem que haja, entretanto, a menor sombra de evidência para corroborá-la. É simplesmente “cabeça-duríce” ou paranóia de quem não aceita outra coisa além de uma visão literalista da Bíblia por a considerar de antemão inerrante e infalível, tendo que, por este motivo, automaticamente duvidar de tudo que contradiga este tipo de interpretação.
A perspectiva da terra-jovem depende de lançar dúvidas em uma série de métodos e conhecimentos científicos muito bem estabelecidos, sem oferecer um modelo alternativo científico robusto e, pior ainda, sem que hajam evidências que indiquem que modelo científico vigente esteja errado.
É importante aqui ressaltar que não basta levantar dúvidas sobre um método ou outro e nem apontar que erros de estimação dos dados (ou de evidências e pressupostos) existem; ou ainda que as taxas de mudança de alguns processos podem ter variado ao longo do tempo, como a constância nas taxas de decaimento radioativo, apenas para citar um exemplo usado e abusado pelos criacionistas. É necessário que hajam evidências diretas que apontem em direção a cronologia alternativa. Caso contrário caímos em uma falsa dicotomia baseada apenas no desejo dos criacionistas da terra-jovem de que se apontarem para “buracos” suficientes (exagerados ou completamente invetados) nas técnicas de datação científicas, por milagre, o modelo deles seja validado sem que precisem demonstrar evidências para ele.
Caso seja afirmado, como é comum em sites criacionistas, que há variação na taxa de decaimento dos isótopos é preciso também mostrar que essa variação tenha ocorrido em todos os isótopos usados para datação radiométrica e que essas taxas tenham variado de uma maneira muito específica e em uma proporção gigantesca, sendo somente desta maneira capaz de comprimir todos 4,5 bilhões de anos (estimados a partir da proporção de radionuclídeos e seus isótopos derivados com meias-vidas variadas) que é a conclusão da comunidade científica, em menos de 10000 anos, o que implicaria em um erro de 6 ordens de magnitude. Não há evidência alguma que as taxas de decaimento tenham mudado tanto e na direção “correta” para corroborar os delírios criacionistas.
Então, não seria qualquer mudança de poucos porcento na taxa de variação do decaimento de um ou de outro elemento que poria em dúvida a cronologia científica atual, que isso fique bem claro. Seria necessário uma gigantesca e coordenada alteração para a qual não se tem evidência alguma. Pior, se as taxas de decaimento fossem muito mais altas, ou seja, se os núcleos dos radioisótopos se desintegrassem muito mais rápido, como demanda o modelo da terra-jovem, isso acarretaria em um também enorme aumento na quantidade de energia liberada. Se a terra tivesse apenas poucas milhares de anos então o jardim do Éden, seria muito mais parecido com um inferno e, mais uma vez, os criacionistas teriam que recorrer a milagres e outras explicações (desculpas) ad hoc, saindo, como sempre, do terreno das ciências. Então, não se esqueça, o ônus é todo deles em demonstrar tais absurdos.
Veja também estas respostas do formspring (form_1 e form_2) e estes links do programa fronteiras da ciência da rádio UFRGS (aqui e aqui). Se vc tiver a oportunidade também tente encontrar o livro “BONES, ROCKS AND STARS: THE SCIENCE OF WHEN THINGS HAPPENED” de Cris Tuney.
Literatura recomendada:
Hazen, Robert M. How Old is Earth, and How Do We Know? (2010) Evolution: Education and Outreach 3: 2 198-205 DOI - 10.1007/s12052-010-0226-0
Krauss, Lawrence M. Cosmic Evolution (2010) Evolution: Education and Outreach 3: 2, 193-197 DOI-0.1007/s12052-010-0237-x [Veja também este artigo de Krauss]
Abraços,
Rodrigo