Tuesday June 04, 2013
Anonymous: boa tarde. queria tirar uma dúvida. dizem na história que os índios americanos conquistaram o continente através da "era do gelo", naquele caminho do japão para o alaska. poderia ter sido possível, os tailandeses(amarelos) e os aborígenes terem vindo para a américa, através da ilha de páscoa, havaí?e misturado as etnias? eu pergunto isso porque os índios possuem sangue tipo "O", e os negros africanos também(os aborígenes eu não sei). o que você me diz? obrigado.
O cenário atualmente mais aceito para a colonização das Américas por populações humanas é o de que os ancestrais das populações ameríndias modernas teriam vindo da Ásia continental (e não do Japão, portanto) pelo norte. através da Beríngia, uma massa de terra que forma uma ponte entre o Alasca e a América do Norte que hoje está submersa, mas que durante o pleistoceno estava acima do nível do mar [1].
Os colonizadores podem ter cruzado a pé por meio desta ponte de terra quando ela estava acima do nível do mar, passando através de um suposto corredor de gelo ou, como tem sido mais aceito, atravessado por meio da ‘navegação de cabotagem’, beirando a costa pacífica [1].
Mas quando isso teria ocorrido? Esta é uma das grandes questões que os antropólogos, arqueólogos e geneticistas de populações humanas tentam descobrir. Nas últimas décadas testemunhamos uma mudança das visões sobre a colonização humana das Américas com a derrubada da ideia que as populações Clóvis (que teriam chegado por volta de 13000 anos atrás, possivelmente atrás da megafauna de mamíferos) teriam sido as primeiras a colonizar as Américas, principalmente por causa da descoberta e datação confiável de sítios arqueológicos e restos humanos anteriores ao das populações Clóvis e como características culturais bem distintas [1]. As evidência genéticas modernas em sua maioria tendem a suportar este modelo de povoamento pré-Clóvis implicando que os ameríndios teriam se originado de uma única grande dispersão de uma única população Siberiana não anterior a 30.000 anos atrás, possivelmente, depois de 22 mil anos atrás, com a migração da Beríngia para o resto das Américas tendo ocorrido depois de 16.500 anos atrás [2]. Porém, um estudo genético recente, publicado em 2009, que examinou sequências de DNA mitocondriais de nativos americanos sugeriu que estas populações teria se originado a partir de duas migrações separadas, entre 17000 e 15000 anos atrás, talvez, uma envolvendo a passagem pelo corredor de gelo e outra por migração naval pela costa pacífica [3, 4].
Embora já tenha sido proposto que a colonização das Américas possa ter ocorrido por migração transpacífica, este modelo não é praticamente mais aceito pelos pesquisadores especializados no assunto, mesmo que as populações da Ilha da Páscoa em períodos bem mais recentes devam ter se colonizado a Ilha por uma rota semelhante vindos da polinésia, porém, a menos de 1000 anos atrás, portanto, mesmo que tenham acontecido miscigenações entre os habitantes da Ilha da Páscoa e os ameríndios, elas são muito mais recentes do que a primeira chegada de populações humanas nas Américas [5].
Porém, existem outras polêmicas. Um elemento que complica toda esta história foi a descoberta e análise, no fim do último século, de vários esqueletos humanos, dos quais Luzia [6] é o mais famoso, de indivíduos que habitaram o Brasil há mais de 10000 anos, que exibem características morfométricas cranianas consideravelmente distintas das dos índios modernos e mesmo de outros paleoíndios que tendem a ser mais semelhantes entre si. Os crânios destes habitantes mais antigos da América do Sul, o povo de Luzia, são muito mais semelhantes aos dos Austrolomelanésios, como os dos modernos Aborígenes [7]. Em virtude destes resultados, alguns antropólogos e arqueólogos, como Walter Neves responsável pela análise de muitos destes crânios, inclusive o de Luzia, propuseram que teriam ocorrido, pelo menos, duas levas de migrações [7, 8] por rotas semelhantes (via Beríngia) de populações de Homo sapiens sapiens morfologicamente distintas uma das outras, a primeira, que teria sido feita pelo povo de Luzia, e a segunda, que seria representada por paleoíndios mais semelhantes aos modernos (mas parecidos aos asiáticos) e que seriam os ancestrais dos ameríndios atuais. Embora não hajam vestígios genéticos conhecidos destas populações nas populações atuais, Neves afirma que as linhagens mitocondriais e outras marcas genéticas destas populações poderiam ter sido facilmente perdidas por efeitos estocásticos como a deriva genética [7]. Por isso, ele enfatiza a importância de recuperação de material genético dos restos destes seres humanos anatomicamente distintos das populações modernas, além de buscar evidências de miscigenação em restos de esqueletos de indígenas anteriores a chegada dos Portugueses que ainda poderiam demonstrar algumas das característica morfométricas mais típicas dos povo de Luzia amalgamadas com a dos ameríndios modernos [7].
O quadro acima é um resumo da tabela citada do BloodBook.
Sobre a questão do grupo O, creio que você está equivocado. Este grupo existem em várias partes espalhadas pelo mundo na África, Australásia, Ásia e Europa. Dê uma olhada, por exemplo, nesta enorme tabela do Blood Book. O que acontece, e que talvez seja esta na fonte de sua confusão, é que várias populações da América do Sul só possuem este grupo, muito provavelmente, em virtude do chamado ‘efeito fundador’ [veja aqui para o caso de grupos sanguíneos], em que uma população é fundada por um pequeno contingente de migrantes que representam apenas uma fração da diversidade genética da população original [9, 10].
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Literatura Recomendada:
Hirst, K. Kris Colonization of the America Continents: Four Theories of the Colonization of America About.com Guide Archeology
Goebel T, Waters MR, O’Rourke DH. The late Pleistocene dispersal of modern humans in the Americas. Science. 2008 Mar 14;319(5869):1497-502. doi: 10.1126/science.1153569. Review. PubMed PMID: 18339930.
Perego, Ugo A., et al. 2009 Distinctive Paleo-Indian Migration Routes from Beringia Marked by Two Rare mtDNA Haplogroups. Current Biology 19:1–8. DOI 10.1016/j.cub.2008.11.058
Pringle, Heather The First Americans: Mounting Evidence Prompts Researchers to Reconsider the Peopling of the New Worl Scientific American 305, 36 - 45 (2011) Published online: 18 October 2011 | doi:10.1038/scientificamerican1111-36
Dangerfield, Whitney The Mystery of Easter Island: New findings rekindle old debates about when the first people arrived and why their civilization collapsed Smithsonian.com, April 01, 2007.
Neves, Walter, Piló, Luís O povo de Luzia: em busca dos primeiros americanos 1a ed Rio de Janeiro: Globo editora, 200x. 336p
Neves, Walter A., Bernardo, Danilo V., & Okumura, Maria Mercedes M.. (2007). A origem do homem americano vista a partir da América do Sul: uma ou duas migrações?. Revista de Antropologia, 50(1), 9-44. doi:10.1590/S0034-77012007000100001.
Hubbe M, Neves WA, Harvati K (2010) Testing Evolutionary and Dispersion Scenarios for the Settlement of the New World. PLoS ONE 5(6): e11105. doi:10.1371/journal.pone.0011105
Halverson MS, Bolnick DA. An ancient DNA test of a founder effect in NativeAmerican ABO blood group frequencies. Am J Phys Anthropol. 2008 Nov;137(3):342-7. doi: 10.1002/ajpa.20887.
Georges L, Seidenberg V, Hummel S, Fehren-Schmitz L. Molecular characterization of ABO blood group frequencies in pre-Columbian Peruvian highlanders. Am J Phys Anthropol. 2012 Oct;149(2):242-9. doi: 10.1002/ajpa.22115.
Créditos das Figuras:
GARY HINCKS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
CLAUS LUNAU/SCIENCE PHOTO LIBRARY
Grande abraço,
Rodrigo