Tuesday June 14, 2011
Anonymous: Essa é bem direta: As trilobitas deixaram descendentes? Como surgiram? Elas são o símbolo da extinção do Permiano, né? Ass: Nihil Lemos
As perguntas realmente são bastante diretas, mas as respostas infelizmente não poderão ser tão diretas assim. Não sabemos exatamente se os trilobitas deixaram ou não descendentes. Esta questão é algo que, em parte, depende dos detalhes da classificação dos trilobitas dentro do grupo dos artrópodes, especialmente em relação as suas afinidades com outros clados como Chelicerata, por exemplo. Desta maneira, dependendo de os trilobitas serem um subgrupo dos Chelicerata, um grupo irmão ou um grupo que engloba os Chelicerata, a resposta pode variar bastante. Neste último caso, algum grupo ancestral de trilobitas poderia ser inclusive ancestral dos aracnídeos modernos, mas creio que isso é pouco provável.
Mas antes de entrarmos em alguns dos detalhes dessa questão, é sempre bom lembrar que, de maneira geral, é muito difícil estabelecer séries lineares de ancestrais e descendentes. Estabelecer relações mais específicas com grupos mais modernos é um grande desafio, especialmente, em relação a grupos extintos mais antigos, particularmente os mais basais, ou seja, em que nem todas as características distintivas dos prováveis representantes modernos do grupo apareceram. Infelizmente não conseguimos amostras de material genético para compará-las com amostras dos seres modernos. Neste caso, nossa capacidade de inferência é bastante limitada e depende do que está disponível no registro fóssil. Por causa disso boa parte da sistemática filogenética moderna busca agrupar os seres vivos em grupos inclusivos dentro de grupos ainda mais inclusivos o que produz a hierarquia aninhada típica das árvores filogenéticas, estabelecendo suas relações de parentesco e não que é o ancestral de quem. No evolucionismo.org (Parte I e Parte II) traduzi dois textos bem interessantes da Paleontóloga Penny Higgis que creio valem muito a pena serem lidos. Um deles discute as diferenças entre a taxonomia tradicional e a sistemática filogenética moderna, especialmente a cladística, e esclarece um pouco sobre o que são formas de transição e como os cientistas comparam as informações morfológicas ao estudarem as grandes transições entre os grupos de seres vivos.
Algumas possíveis filogenias podem ser encontradas em alguns sites, como o do projeto Tree of Life e outra possibilidade no fossilmuseum.net. Uma das principais propostas é que os Trilobitas fariam parte de uma superclasse de artrópodes chamada de Aracnomorpha - Trilobitas e Quelicerados (Chelicerata) - que seria um grupo irmão de Crustaceomorpha e ambas formariam o subfilo Schizoramia [Veja em trilobites.info]. Em função disso, alguns pesquisadores consideram que os Quelicerados limulídeos, como o “caranguejo ferradura” (que apesar do nome não é um crustáceo), como o Limulus Polyphemus, seria um possível descendente de alguma linhagem bem antiga de trilobitas. Mas é possível que tais criaturas modernas sejam descendentes de um ancestral comum aos trilobitas, mas que ainda não era um trilobita em si. Contudo, estudos combinando dados moleculares e morfológicos de espécies de artrópodes modernos tendem a agrupar crustáceos e unirramios em um grupo chamado de Mandibulata, lançando dúvidas sobre a própria existência de Aracnomorpha. A partir daí alguns estudos mais recentes têm proposto a inclusão dos Trilobitas dentro de Mandibulata, os afastando de Chelicerata e possivelmente excluindo a possibilidade dos limulídeos serem descendentes diretos dos trilobitas.
As origens, assim como as relações filogenéticas entre os diversos grupos de trilobitas, são também bastante debatidas, principalmente por que os primeiros fósseis desses animais já apresentam características bastante derivadas com um exoesqueleto bastante mineralizado, segmentado e muito ornamentado, além dos olhos bem complexos. Alguns pesquisadores sugerem que os trilobitas teriam alta afinidade com os artrópodes de corpo não-mineralizado chamados de Naraoiidae, encontrados apenas em depósitos fossilíferos altamente bem preservados (Konservat-Lagerstätten) do cambriano inferior e médio, como os folhelhos de Maotianshan. Desta forma, suas origens remontariam ao período pré-cambriano em algum grupo de invertebrados ancestrais com simetria bilateral (muito provavelmente artrópodes), mas sem esqueleto mineralizado ou, pelo menos, muito mineralizado. Alguns trabalhos tem sugerem que espécies fósseis pré-cambrianas como Spriggina floundersi, encontradas em depósitos Ediacarianos na Austrália, poderiam ser uma forma “proto-trilobitilóide”, uma vez que são reconhecíveis nestes animais, um escudo cefálico e um corpo segmentado e espinhoso. Entretanto, o padrão de segmentação desvia bastante daquele visto nos trilobitas, o que levanta dúvidas sobre a afinidade entre os grupos em questão. Outros pesquisadores ressaltaram a semelhança de outra espécie do pré-cambriano, Bomakellia kelleri, que possui uma cabeça semicircular e um corpo tri-lobado com estruturas que parecem branquias filamentosas bem típicas do que seria esperado para Arachnomorpha. Contudo, talvez Parvancorina - um artrópode não segmentado do pré-cambriano muito semelhante a outro artrópode encontrado nos depósitos de Chengjiang, Primicaris larvaformis, do Cambriano inferior, e a certos trilobitas do grupo dos Protapsideos – seja, de fato, o melhor candidato para grupo irmão dos ancestrais dos trilobitas no pré-cambriano. Primicaris larvaformis durante um certo tempo foi considerado uma forma deNaraoiidae, mas, mais recentemente, tem sido considerado um grupo a parte ainda que relacionado. A semelhança com Primicaris larvaformis sugere inclusive uma ponte entre este grupo e os trilobitas. Baseando-se nisso S.M. Gon III sugere um modelo especulativo (que pode visto aqui) para a transição dos ancestrais dos trilobitas do pré-cambriano para as formas cambrianas.
Essas fantásticas criaturas sobreviveram por quase trezentos milhões de anos [Sua presença no registro fóssil é um dos principais fatores de diagnóstico da era paleozóica] e realmente tiveram seu fim com a famosa extinção Permiano-triássica (que culminou com a extinção de 90% de todas as espécies, segundo as estimativas). Acontece que os trilobitas, bem antes disso, já estavam em declínio. Por exemplo, no Permiano médio, uma outra crise se abatera sobre estes seres e na época da grande extinção do final do Permiano só restavam cinco gêneros como é atestado pelo registro fóssil. Mesmo antes do Permiano isso pode-se perceber esta diminuição. No final do Devoniano restava apenas uma única ordem, Proetida e apesar de uma família desta ordem remanescente (Phillipsiidae) ter experimentado uma apreciável radiação adaptativa no começo do Carbonífero, na metade desse mesmo período, o número de taxa sofreu outra grande redução, restando apenas duas famílias além da Phillipsiidae, Brachymetopidae e Proetidae [Veja mais sobre a extinção dos Trilobitas aqui]. Sendo assim, na chegada da grande extinção Permiana, os Trilobitas encontravam-se já na beira do precipício.
Mais informações sobre os trilobitas, sua morfologia, suas relações filogenéticas, origem etc podem ser encontradas no Virtual fossil Museum na página sobre a Classe Trilobita , no site trilobita.de, além do excelente mencionado trilobites.info.
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Literatura recomendada:
Fortey, Richard A. Trilobite systematics: the last 75 years Journal of Paleontology 2001 75 (6), 1141-1151
Gon III, S. M. [last revised 22 January 2009] Origins of Trilobites: The question “Where did trilobites come from?” is not so simple to answer www.trilobites.info Acessado em 14/06/2011.
Gon III, S. M. [last revised 07 April 2010] Trilobite Systematic Relationships: Given that trilobites are Arthropods, what is their place among the known arthropod groups? www.trilobites.info Acessado em 14/06/2011.
Lieberman, B. S. and Karim, T. S. (2009). Tracing the trilobite tree from the root to the tips: A model marriage of fossils and phylogeny. Arthropod Structure & Development.
Rota-Stabelli O, Campbell L, Brinkmann H, Edgecombe GD, Longhorn SJ, Peterson KJ, Pisani D, Philippe H, Telford MJ. A congruent solution to arthropod phylogeny: phylogenomics, microRNAs and morphology support monophyletic Mandibulata. Proc Biol Sci. 2011 Jan 22;278(1703):298-306. Epub 2010 Aug 11. PubMed PMID: 20702459; PubMed Central PMCID: PMC3013382.
Trilobite (2008, 9 December at 16:43) New World Encyclopedia. Acessado em 14/06/2011.
Abraços,
Rodrigo