Tuesday June 18, 2013
Anonymous: Por qual motivo surgiu a Influenza A?
Os motivos do surgimento da Influenza A não são muito diferentes dos ‘motivos’ pelos quais quaisquer outros organismos, ou sistemas biomoleculares complexos como os vírus, surgiram, ou seja, a evolução. O fato de haver variação hereditária e sucesso reprodutivo diferencial de certos tipos em relação a outros em uma população é o que explicaria o surgimento em última instância de qualquer grupo de sistemas biológicos. Estes vírus da gripe são classificados em três grupos, A, B e C que conjuntamente constituiriam a família orthomyxoviridae. Seus genomas, como já era de se esperar, são bem pequenos, contendo cerca de 14000 pares de base, divididos em 8 segmentos (7 nos vírus da gripe C) de RNA em fita simples em sentido negativo. No caso dos vírus da Influenza, seus genomas codificam três enzimas polimerases (PB1, PB2, PA); duas glicoproteínas de superfície principais, a Hemaglutinina (HA) e Neuraminidase (NA), de onde vem o ‘H’ e ‘N’ das diversas variedades de vírus (H1N1, H3N2 etc), além de três proteínas estruturais (NP, M1, M2) e duas proteínas não-estruturais envolvidas na exportação nuclear (NS1, NS2). Haveria também uma terceira proteína, associada a uma ORF recém descoberta, que, aparentemente, codificaria para uma proteína envolvida na célula na apoptose da célula hospedeira. As duas glicoproteínas de superfície proteínas, que protejam-se a partir do envelope viral e estão expostas ao sistema imune dos hospedeiros, HA e NA, estão envolvidas, respectivamente, com a ligação a receptores de superfície da célula hospedeira e com a libertação de ‘viriões’ a partir das células hospedeiras, e é nelas que concentram-se a maioria dos estudos de evolução viral. São estas glicoproteínas as principais responsáveis pela adaptabilidade, variabilidade e virulência destes vírus.
Os vírus, de modo geral, exibem as taxas mais altas de mutação em virtude e possuem curtos ciclos de replicação, o que por si só já lhes colocam na frente na corrida evolutiva, mas, além disso, no caso dos vírus como os da família da Influenza, a segmentação de seu genoma confere-lhes a habilidade de recombinarem-se com outras variantes virais que co-infectem o mesmo hospedeiro. Estas características, em conjunto, portanto, é que permitem aos vírus da gripe evoluírem tão rapidamente e às vezes de modo tão drástico e imprevisível.
O que sabemos, simplificando bastante, sobre a Influenza A e que pode ser visto na figura acima (que representa uma linha do tempo da evolução dos vírus da gripe pandêmica) é que, no começo do século XX, em 1918, a grande pandemia da ‘gripe espanhola’ foi causada por uma infecção por um vírus da gripe H1N1, aparentemente, derivado diretamente de hospedeiros aves, uma vez que 8 genes desta variante viral são muito mais similares aos genes de vírus equivalentes das aves do que de qualquer outro vírus hospedeiro mamífero ou mesmo humano. Já as pandemias menores e bem menos letais que ocorreram em 1957, a ‘gripe Asiática’, e, em 1968, a ‘gripe de Hong Kong’, envolveram o rearranjo entre vírus humanos e vírus de aves, nos dois casos. Com o vírus de 1957 contendo as proteínas NA, NA e PB1 aviárias e o de 1968 contendo as proteínas HA e PB1 aviárias, com os outros genes derivados de outros vírus humanos em circulação. A re-emergência da cepa H1N1 que havia circulado na década de 1950 levou a uma outra pandemia em 1977, a ‘gripe Russa’ que também foi bem menos drástica do que a pandemia de 1918. Em 2009, desta vez, a pandemia foi causada por um rearranjo envolvendo vírus de aves, porcos e seres humanos, com o vírus resultante contendo as proteínas PB2 e PA derivadas de vírus aviários, a proteína PB1 derivada dos vírus humanos e os outros segmentos dos genes sendo oriundos de outras duas linhagens distintas de vírus de suínos.
Na figura abaixo podemos ver outro esquema [Evolução de vírus da gripe, 1918-2009 - Credito: NIAID] em que são mostradas as relações genéticas entre os vírus da influenza humana e suína desde 1918 à 2009. As setas vermelhas indicam linhagens humanas de vírus da gripe, as setas pretas linhagens do suínas do vírus da gripe, enquanto as setas cinzas indicam a exportação de um ou mais genes do pool genético da influenza aviária e as barras horizontais mostradas no interior dos vírus representam cada um dos oito genes dos vírus influenza A, abreviado PB2, PB1, PA, HA, NP, NA, M e NS.
Em resumo, dado ao que sabemos sobre estes vírus, é possível que as próximas cepas pandêmicas originem-se tanto por meio de adaptação direta de um vírus animal, por meio da seleção natural, a um novo hospedeiro humano; como através do rearranjo genético de duas ou mais cepas em virtude delas terem coinfectado hospedeiros comuns; como, por fim, da simples re-emergência de uma variante viral da influenza A que não tenha sido responsável pelas pandemias humanas há mais de uma geração, mas que ainda circula por aí em uma forma assintomática ou leve.
Não sei se era exatamente isso que você gostaria de saber, mas caso não seja, espero que esta resposta permita a você reformular sua pergunta de uma maneira mais precisa.
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Literatura Recomendada:
Belshe RB. The origins of pandemic influenza—lessons from the 1918 virus. N Engl J Med. 2005 Nov 24;353(21):2209-11. PubMed PMID: 16306515.
Bush, R.M. 2007. Influenza Evolution. pp. 199-214 in: Encyclopedic Guide to Infectious Disease Research: Modern Methodologies M. Tibayrenc (ed.). John Wiley and Sons. Hoboken, NJ.
Watanabe Y, Ibrahim MS, Suzuki Y, Ikuta K. The changing nature of avian influenza A virus (H5N1). Trends Microbiol. 2012 Jan;20(1):11-20. doi:10.1016/j.tim.2011.10.003.
Grande abraço,
Rodrigo