Tuesday November 25, 2014
Anonymous: Cientificamente podemos prova e observar alguma mudança de especie baseado na teoria darwiana.
Caro anônimo, partindo do princípio que você foi a mesma pessoa que fez esta outra pergunta e deixou este comentário [aqui], que será adiante citado nesta minha resposta, aproveito para aprofundar a questão e fazer várias correções muito necessárias. Vou começar respondendo a esta pergunta da maneira mais direta possível sem sucumbir aos problemas de formulação e ao ponto de partida equivocado da qual ela se origina:
A evolução dos seres vivos - ou seja, a ancestralidade comum por descendência com modificação - é um fenômeno aceitos pela comunidade científica em peso. Neste sentido, a evolução (e portanto o fato das espécies mudarem) é, sim, um ‘fato científico’ muito bem estabelecido acima de qualquer dúvida razoável. Para maiores detalhes sobre as ambiguidades associadas a expressões como 'teoria Darwiana’, Darwinismo etc, veja aqui.
Agora elaborando um pouco mais. O que acontece é que boa parte deste fenômeno,a evolução, não é diretamente observável. Porém, é assim por motivos que deveriam ser bastante óbvios, como o fato da ancestralidade comum ser um padrão histórico, tendo suas raízes em processos e mecanismos que ocorreram no passado, precisando portanto de milhões (e até bilhões) de anos para emergirem. Nós, seres humanos, não somos capazes de ficar observando nada por milhões ou bilhões de anos, mas, ainda assim, podemos concluir que fenômenos que levaram este tempo para terem lugar realmente tenham ocorrido. Fazemos isso ao observarmos e analisarmos um conjunto muito grande, variado e consistentes de evidências empíricas, inclusive experimentais, e é isso que os cientistas fizeram. Então, neste sentido podemos cientificamente 'observar’ a evolução. Na verdade é assim que a imensa maioria das ciências modernas procede. Boa parte do que investigamos simplesmente não pode ser diretamente observado (por ser demasiado pequeno, grande, antigo, lento, rápido, distante etc), mas podemos usar vários métodos e evidências indiretas para inferir estes fenômenos e testar os modelos, hipóteses e teorias que destinam-se a explicá-los.
Os biólogos evolutivos, paleontólogos e geocientistas, de modo geral, que estudam a evolução empregam as mesmas estratégias gerais usadas em outras áreas da pesquisa científica, como a observação sistemática e experimentação controlada, a modelagem matemática e computacional, os testes de hipóteses por técnicas estatísticas (frequencistas, verossimilhantistas e Bayesianas) calcadas em várias estratégias de inferência dedutiva e ampliativas, que vão desde a dedução característica dos métodos hipotético-dedutivos até a abdução, principalmente, na forma da chamada inferência pela melhor explicação.
Agora vamos para outro ponto importante, frequentemente, grande promotor de confusões. Mais uma vez lembro que 'prova’ não é um termo muito adequado em uma discussão sobre ciências e evidências empíricas, a menos que você simplesmente considere o termo 'prova’ sinônimo de 'evidências materiais’ ou 'provas físicas’. Neste caso, volto a afirmar, temos abundantes evidências da evolução que é o que levou ao consenso sobre sua realidade dentro da comunidade científica. O ponto principal, entretanto, é que não faz sentido exigir 'provas’ no sentido tradicional do termo - isto é, como empregado na lógica dedutiva e na matemática (por exemplo, onde a verdade de algo é estabelecida como consequência necessária das premissas ou axiomas, como no caso de algo ser verdade por simples definição do termos envolvidos, por exemplo) - já que as evidências científicas não têm um caráter irrefutável, irrevogável e infalível, ainda que possam ser, especialmente quando levadas em conta em conjunto, extremamente sólidas e convincentes.
Esse é o ponto principal que deve ser bem compreendido: O simples fato das evidências científicas serem sempre (em tese) revogáveis, não implica que as conclusões científicas (como sobre a realidade da evolução) não sejam altamente corroboradas e portanto muito bem estabelecidas, pelo menos, além de qualquer dúvida razoável, que é o que importa para os fins científicos. Note bem, neste caso, não basta levantar a mera possibilidade de dúvida; o que seria preciso para refutar a evolução seriam evidências em contrário e argumentos cogentes para suportar a conclusão de que o fenômeno em questão não teria acontecido. Os cientistas e filósofos reconhecem a falibilidade dos juízos humanos, mesmo os científicos, mas isso não deve servir de conforto aos criacionistas e outros negacionistas, pois isso não os livra do ônus de terem que argumentar e, principalmente, fornecer evidências sólidas científicas em favor de sua posição caso queiram criticar a razoabilidade, plausibilidade, coerência e precisão das conclusões, bem como dos métodos e argumentos, que amparam o presente consenso científico sobre o fenômeno da evolução dos seres vivos.
Agora, vamos ao seu comentário em resposta a minha outra resposta:
“Obrigado desde já pela preocupação em responder. Mas a minha dúvida é até simples. Só gostaria de saber, por exemplo, se há alguma observância (porque toda ciência é observável e evidenciada creio eu) de mudança de espécie como um peixe tornar-se um pássaro (por isso minha pergunta foi mudança de espécie, não evolução como no caso dos pássaros em Galápagos que tinham características e evoluíram para outras características, mas continuaram sendo pássaros). Espero ter compreendido minha dúvida e agradeceria o esclarecimento. Abraço!”
Era exatamente isso que eu imaginava que você pudesse ter em mente; e é exatamente esse o grande problema, pois o que você pede nem ao menos faz sentido, não sendo portanto uma 'dúvida simples’. Você parte de pressupostos completamente equivocados, já que nenhum cientista que estuda seriamente a evolução (micro e macro) afirmou ou afirma que 'um peixe se tornaria um pássaro’, nem do dia para noite e nem mesmo ao longo de uma vida humana ou da vida de vários humanos. Não é assim que a evolução funciona, embora pássaros tenham sim evoluído de outros animais que não eram pássaros. Além disso, este não foi um processo que aconteceu em um único evento e nem envolveu as formas modernas destes grupos. O que, portanto, você pressupõe não é nem evolução e nem 'mudança de espécie’ em qualquer sentido científico legítimo. Pergunto a você, então: Em que livro-texto de biologia evolutiva ou paleontologia você teria lido que os cientistas afirmam que “um peixe torna-se um pássaro” na frente de nossos olhos? Entende o problema? Você não pode culpar os cientistas por você não compreender o que é a evolução e como ela se dá ao longo do tempo, achando que 'mudança de espécie’ tem que ser isso que você tem em mente e só, caso contrário a evolução não está correta e o criacionismo tornar-se-ia verdadeiro. Esta não é uma falha da ciência, mas simplesmente uma falha na sua compreensão da mesma.
O que espero que você compreenda é que sua dúvida não pode ser considerada 'simples’, já que ela parte de uma premissa completamente equivocada sobre como as espécies mudam e originam-se ao longo do tempo e como novos grupos taxonômicos e novas características evoluem. Na verdade, ela parte de uma concepção equivocada inclusive do que são espécies. Foi exatamente por já antever esta possibilidade (já me fizeram esta mesma pergunta e só depois fui perceber que a pessoa nem sabia o que era espécie e especiação, portanto, ela nem podia compreender o que estava perguntando) que, primeiro, pressionei você a se explicar para não perder o meu e o seu tempo.
O primeiro ponto que quero levantar é que o tipo de pergunta que você fez (mesmo que você não tenha consciência disso) é um tipo de 'espantalho’, ou seja, você exige evidência (ou explicações) para algo que não é afirmado por ninguém que estude o assunto profissionalmente. Sua caracterização do que seria 'mudança de espécie’ guarda, no máximo, uma remota semelhança com aquilo que é realmente alegado pelos cientistas. Por causa disso, a sua pergunta é uma pergunta carregada ou viciada. isso quer dizer que como as demandas que você faz são absurdas, não fazendo sentido, seus interlocutores não vão atendê-las, fornecendo as evidências que você gostaria, mas é preciso lembrar que isso acontece não porque as alegações deles não sejam verdadeiras (ou, melhor ainda, não sejam apoiadas por muitas evidências empíricas), mas simplesmente porque você exige que eles justifiquem algo que eles jamais afirmaram e que, como disse, nem ao menos faz sentido. O problema está na sua pergunta e no que ela pressupõe. Compreende?
Você, anônimo, confunde especiação - ou seja, o processo de divergência de populações biológicas através das gerações que leva a formação de novas espécies (irmãs), que inclusive podem tornar-se isoladas reprodutivamente uma da outra (como o requerido pelo tradicional conceito biológico de espécie) - com o processo mais amplo de evolução de linhagens (as grandes transições evolutivas), que é responsável pelo surgimento de grupos taxonômicos mais amplos, como gêneros, famílias, ordens, classe, filos etc [Veja aqui para compreender melhor a questão]. O problema é que este segundo processo (na verdade, este padrão genealógico mais profundo) não é 'um’ processo só, propriamente dito, mas depende da ocorrência de várias instâncias do primeiro tipo de processo (a especiação) e demora muito tempo, muito mais do que podemos monitorar em uma vida humana e portanto 'observar’, em um sentido mais ingênuo, diretamente, com nossos sentidos. Isto é, as aves não surgem diretamente a partir dos peixes por um único evento de especiação (ou 'classização’, algo que não existe) e nem isso acontece por um processo de mudança contínua que pode ser observado nos tempos de vida das sociedades humanas. Isso não faz sentido, não sendo alegado por nenhum biólogo evolutivo. Por isso, repito: Sua pergunta tem como base, no máximo, uma caricatura do que a expressão 'mudança de espécie’ poderia significar cientificamente. Seu pedido de 'evidências' (e muito menos de 'provas’) não procede. Além disso, estes eventos são eventos históricos que já ocorreram e não eventos ficam repetindo-se e repetindo-se da mesma maneira.
Vamos fazer um exercício de pensamento. Imagine que eu pedisse evidências observáveis, para você, de que uma bisavó virou um bisneto ou, pior ainda (como é mais parecido com a sua questão), de que um primo de terceiro grau virou um irmão seu. Continuemos com nosso exercício. Imagine que, além de fazer estas demandas, eu dissesse que, caso você não fosse capaz de fornecer estas exatas 'provas’, eu diria que você não pode ter qualquer evidência de parentesco na sua família e que você, seus irmãos e primos não compartilham ancestrais comuns. Você concorda que esta demanda seria completamente absurda, não é? O problema é que é mais ou menos isso o quê você pede ao exigir provas observáveis de que um peixe que virou um pássaro para acreditar que aves (e dos demais vertebrados terrestres) são descendentes de peixes primitivos que viveram há centenas de milhões de anos. Entende por que este tipo de exigência de evidência, 'prova’, testes, ou seja lá o que for, não faz qualquer sentido e é simplesmente absurda?
O que quero tentar explicar e enfatizar é que, mesmo não podendo observar eventos genealógicos e populacionais que demoraram milhões de anos - e que envolveram dezenas ou centenas de espécies, e eventos de especiação, e que ocorreram ao longo de vastas regiões geográficas, ecossistemas, biomas etc - isso não quer dizer que não hajam evidências observáveis de qualidade e cientificamente atestadas dessas grandes transições evolutivas, ou seja, de grupos taxonômicos (como as aves) 'surgindo’ de outros grupos taxonômicos mais antigos. O que acontece, como espero já estar ficando claro, é que isso não se dá da maneira imediata e nem ao menos linear que você parece supor. Evidências fósseis, estratigráficas e biogeográficas são, portanto, todas evidências observáveis e seus padrões podem ser quantificados e testados. São evidências científicas de primeira, mesmo que os criacionistas não as aceitem.
As evidências da anatomia e embriologia comparadas também são todas observáveis e os padrões de parentesco podem ser a partir daí inferidos e testados, inclusive estatisticamente, frente a dados independentes e por meio de diferentes métodos. Estes métodos são métodos científicos por excelência: 1) Observação (e medição) direta de populações naturais e de laboratório; 2) observação indireta por meio do estudo de espécies distribuídas em clinas ou anéis, com zonas de hibridização; 3) experimentação controlada com populações de organismos em laboratório; 4) observação indireta de séries estratigráficas bem completas no registro fóssil, como as de foraminíferos e diatomáceas, por exemplo; 5) inferência a partir da observação da mudança de biotas ao longo de camadas estratigráficas; inferência pela análise comparativa de formas de transição vivas e extintas; 6) inferência por métodos comparativos e análise filogenética molecular de organismos modernos; 7) além de estudos experimentais de manipulação genética, bioquímica, celular e desenvolvimental de organismos-modelo, inclusive, com a reconstrução de características ancestrais ou de padrões de mudanças análogos aos observados no registro fóssil ou inferidos por outros métodos. Para saber mais sobre este assunto veja por exemplo o site Saber ciência, bem como nas páginas do 'Entendendo a Evolução’ sobre natureza da ciência, métodos de datação e estimativa de tempo e análise filogenética bem como na sobre alguns equívocos comuns que as pessoas comentem em relação a biologia evolutiva moderna. Aconselho também as referências sobre metodologia científica empregada na biologia evolutiva, geologia e paleontologia escritas por James Moore, Massimo Pigliucci, Elliot Sober e Carroll Cleland que discutem as várias formas de evidência e os métodos usados por estas áreas da pesquisa científica e sua relação com os métodos de outras áreas.
Uma vez explicado tudo isso, volto ao seu comentário e aos erros que ele encerra. Quando você diz algo como “por isso minha pergunta foi mudança de espécie, não evolução como no caso dos pássaros em Galápagos que tinham características e evoluíram para outras características, mas continuaram sendo pássaros.“ fica clara a sua confusão. O exemplo dos tentilhões de galápagos é um exemplo de evolução adaptativa; isto é, um exemplo de que certas características herdáveis dos organismos mudando ao longo das gerações por meio da seleção natural agindo em variações herdáveis (neste caso mantendo ou até aumentando seu ajuste a um meio ambiente em mudança). Porém, ele também é uma clara evidência de que as espécies mudam e não são estáticas. Além disso, existem evidências nestas próprias aves dos galápagos de que espécies novas estão se formando, sim são espécies novas de tentilhões, mas são espécies novas e portanto, mais uma vez, estes fatos são evidências observáveis de 'mudança de espécie’. Aí preciso lembrar que o que você imagina ser 'mudança de espécie’ nem ao menos faz sentido e portanto seus pedidos de evidências ou provas destes eventos é simplesmente absurdo.
Este é outro ponto fundamental. A objeção de que ainda seriam espécies de tentilhões, é uma instância da típica objeção 'mas continua uma bactéria’, como explica Carl Zimmer. Ela perde , completamente, de vista que as mudanças mais dramáticas das linhagens demandam períodos mais vastos de tempo, sendo fatos históricos dados e, portanto, não são eventos recorrentes. Talvez o fato mais importante seja que, em certo sentido tecnicamente bem consistente, nós seres humanos e outros grandes primatas jamais deixamos de ser 'macacos’, assim como nós primatas, como vertebrados tetrápodes que somos, não deixamos, nem ao menos, de sermos 'peixes’, assim como não deixamos de ser 'mamíferos’, só por que somos primatas, ou amniotas ou vertebrados (só por somos, mamíferos), ou cordados (só por que somos vertebrados), bilatérios, deusterostômios, eucariontes, etc. O problema é que, quando pensamos em cada uma dessas categorias mais tradicionais como 'peixes’, 'macacos’, 'anfíbios’ e 'répteis’ (cuja nomenclatura ainda é um reflexo da tradição pré-Darwiniana), só pensamos nos representantes modernos destes grupos, em nossos 'primos contemporâneos’, de quem obviamente não somos descendentes e dos quais não nos transformamos em nós mesmos. Entende?
As espécies atuais destes outros grandes grupos taxonômicos não são nossas antepassadas diretas ou indiretas, ou seja, elas não nossas tataravôs, somos, na realidade, apenas seus 'irmãos’ e 'primos’, em termos evolutivos. É só por causa disso (ou seja, porque não levamos em conta nossos ancestrais comuns e o parentesco evolutivo) que, arbitrariamente, alguém pode dizer que seres humanos e macacos são entidades diferentes e que 'não viemos dos macacos’. Isso só acontece porque obviamente não nos originamos de macacos modernos. Nós e eles evoluímos de macacos pré-históricos, mas, repito, em um sentido muito real, nós seres humanos, somos macacos também. De fato, nós somos muito mais próximos de certos tipos de macacos (como dos chimpanzés e bonobos) e eles de nós de maneira recíproca, do que nós (e estes outros macacos) somos de outros macacos. Este é o caso dos hominídeos e dos hominoides, grupos ao qual fazemos parte (assim como os chimpanzés, gorilas etc), quando comparados aos macacos do novo mundo ou cercopitecoides do velho mundo.
Mas voltemos ao seu exemplo. Os cientistas afirmam que as aves, os mamíferos e os demais vertebrados terrestres são descendentes de vertebrados aquáticos ancestrais, de 'peixes primitivos’, ou seja, de animais que viveram por volta do devoniano e que viviam na água. Temos muitos fósseis de peixes que são exatamente como esperaríamos que fossem nossos ancestrais, mesmo que eles não sejam os nossos ancestrais diretos. O importante, não obstante, é que eles têm exatamente o tipo de características intermediárias (entre peixes e anfíbios, por exemplo) que esperaríamos encontrar caso a evolução tivesse acontecido.
Outra coisa que seria importante que você compreendesse é que as aves são muito mais próximas dos mamíferos, répteis e anfíbios do que dos peixes modernos. Isso acontece porque seus ancestrais comuns divergiram dos ancestrais comuns destes três outros grupos a menos tempo do que o ancestral comum entre estes quatro grupos divergiu dos ancestrais comuns com os peixes modernos. Da mesma maneira, nós mamíferos, as aves e os répteis somos mais próximos uns dos outros do que somos os três grupos dos anfíbios e assim por diante. Isso é equivalente ao fato de eu e meu irmão sermos mais aparentados um com o outro do que somos os dois com nossos primos.
Aqui, repito: Estes grupos taxonômicos e as características que os distinguem não surgiram de uma vez só, assim como uma família humana não surge de uma vez só a partir dos tataravós, que, diretamente, dariam origem aos tataranetos. Lembro que isso não faz sentido. O que acontece é que, quando um tataravô e o irmão dele nasceram da mãe deles, eles não estavam virando tataravós e a mãe deles não estava virando tetra-avó. Só quando os bisnetos de um deles (e, portanto, os tataranetos da mãe deles) nasceram é que faz sentido afirmar que estas categorias surgiram. Compreende? O mesmo raciocínio vale para o surgimento de grupos como aves, mamíferos e répteis [Veja esta resposta aqui que explica a questão da classificação taxonômica que só faz sentido em retrospecto].
As espécies modernas de cada um destes grupos são todas primas contemporâneas, sendo mais próximas das outras espécies do mesmo grupo, ao mesmo tempo que são primas mais distantes (equidistantes) das espécies dos outros grupos, assim como eu e meus irmãos somos primos de 1o grau dos filhos dos irmãos e irmãs da minha mãe e primos de segundo-grau dos filhos dos primos e primas de primeiro grau dela. Eu não sou descendente de nenhum deles e eles não são meus descendentes, mas todos compartilhamos ancestrais comuns e portanto somos aparentados e surgimos por uma processo genealógico análogo a evolução de linhagens uma a partir da outra, com a diferença que as linhagens são conjuntos de indivíduos relacionados por ancestralidade e descendência e surgem normalmente por separação e acumulo de diferenças e não por reprodução sexuada, embora a origem de grupos por hibridação seja uma possibilidade.
Agora Votemos ao exemplo das aves. Estes vertebrados são hoje considerados tipos de 'répteis’ (sauropsídeos) [veja aqui, por exemplo] estreitamente aparentados com dinossauros terópodes, como os Velociraptores e Tiranossauros etc, que sabemos terem se extinguido há cerca de 65 milhões de anos, o que quer dizer que as populações mais ancestrais de terópodes que deram origem as aves modernas divergiram destes dinossauros (seus primos mais próximos) há bem mais tempo do que isso, o que não nos permite observar diretamente (ou seja ver) este tipo de transição ocorrendo. Porém, não obstante temos evidências observáveis aos montes desta transição,, especialmente na forma de fósseis de formas de transição que são fósseis de animais que viveram antes e depois da extinção dos dinossauros que exibem características intermediárias entre dinossauros terópodes não avianos e as aves modernas [veja aqui, aqui e aqui]; isto é, temos evidência observável de espécimens que tinham características que não permitia que nós os classificássemos nem como dinossauros terópodes tradicionais e nem como aves modernas, exatamente, como esperamos da evolução biológica, algo que, portanto, mostra claramente a 'mudança de espécie’, entende? Estes fósseis podem ser agrupados em grupos dentro de grupos dentro de grupos (e assim por diante) por métodos científicos bem rigorosos, o que dá origem a uma hierarquia aninhada que é a marca de uma genealogia, ou seja, uma estrutura de parentesco, mais uma excelente evidência da macroevolução. Para mais detalhes veja esta resposta sobre a evolução do voo nas aves e a objeção tola da ’meia-asa’, que também ilustra como a argumentação criacionista já parte de pressupostos completamente equivocados e portanto não é legitima. Além disso, traduzi dois artigos (“Uso e Abuso do registro fóssil: Definição dos Termos Parte I” e “Uso e Abuso do registro fóssil: o caso do “Peixíbio” - Parte II”.) da paleontóloga Penny Higgs sobre as distorções perpetradas pelos criacionistas de termos e conceitos científicos.
A evolução das aves a partir dos dinossauros terópodes portanto é muito bem documentada cientificamente pelo conjunto das evidências anatômicas modernas e fósseis, sendo também corroborada pela análise genética que mostra que aves e crocodilianos são mais próximos do que, por exemplo, os crocodilianos são de outros répteis. O padrão geral de mudança portanto é testado cientificamente a partir da evidência observável dos fósseis e através da análise comparativa entre diferentes aves (inclusive bem primitivas que exibem dentes e caudas ósseas) e vários dinossauros terópodes não avianos, que viveram em períodos distintos ao longo dezenas de milhões de anos. Esta transição não é 'mudança de espécie’ como você parece compreender, mas é, sim, uma 'mudança de espécies’, ou de linhagens que envolve vários eventos de especiação ao longo de milhões de anos e grandes extensões geográficas. Este tipo de padrão não é visto e rastreado por indivíduos separados, já que não ocorre diante de seu olhos, mas é uma conclusão inferida a partir de múltiplas linhas de evidências complementares que incluem inclusive experimentos, testes estatísticos e modelos computacionais. Todas as evidências portanto convergem e são completamente consistentes com a ancestralidade comum por descendência com modificação, o quer dizer que as espécies não só mudam ao longo do tempo, mas que uma linhagem de organismos de um tipo deu origem a outra linhagem de organismos de outro tipo, ainda que mão seja da forma imediata e mágica que você parecia supor.
O problema, caro anônimo, é que o que você parece ter em mente não é o que os cientistas afirmam que aconteceu e que acontece nos bilhões de anos desde que este planeta se formou, mas é apenas uma fantasia que só faz sentido se adotarmos um pensamento mágico. Por isso, peço encarecidamente que tente manter-se informado por fontes técnicas e mais confiáveis, e que use-as e os conceitos, evidências, argumentos e métodos descritos nelas para tirar suas conclusões.
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Literatura Recomendada dividida por tópicos:
Sobre evolução morfológica e fisiológica dos vertebrados, sistemática e classificação:
Kardong, K. V. 1998. Vertebrates: comparative anatomy, function, evolution. 2nd ed. WCB/McGraw-Hill.
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Sobre evolução, biologia evolutiva e teoria evolutiva:
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Futuyma, D.J. 2009. 3ª Edição. Biologia Evolutiva. Funpec. Ribeirão Preto, 2009. 830 pg
Ridley, Mark. Evolução 3ª edição Porto Alegre: Artmed, 2006. 752 p.
Freeman, S; Herron, J. C. Análise Evolutiva. Porto Alegre: ArtMed Editora 4a. ed 2009. 831 pg
Sadava, David et al. Vida: a ciência da biologia - 8.ed.Volume II: Evolução, diversidade e ecologia Porto Alegre: Artmed, 2009.
Sobre macroevolução, paleontologia e biologia evolutiva:
Theobald, Douglas L. ”29+ Evidences for Macroevolution: The Scientific Case for Common Descent.“ The Talk.Origins Archive. Vers. 2.89. 2012. Web. 12 Mar. 2012
Zimmer, Carl. O livro de ouro da Evolução. 1ª edição Rio de Janeiro: Ediouro, 2003. 600 p
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Benton, Michael J. , Harper, David A. T. Introduction to Paleobiology and the Fossil Record Wiley-Blackwell, February 2009. 608 pages
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Prothero, Donald R. Bringing Fossils To Life: An Introduction To Paleobiology, McGraw-Hill Science/Engineering/Math, 2003
Sobre metodologia científica, evidências científicas, biologia evolutiva e filosofia da ciência:
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Grande abraço,
Rodrigo