Tuesday November 26, 2013
Anonymous: Por que os criacionistas dizem que os cientistas não conseguem achar os "mecanismos evolucionários"? Não seriam estes mecanismos as mutações genéticas e a seleção natural? Seria necessário mais algum mecanismo para dar conta da evolução?
Bem, porque o criacionismo é basicamente um movimento de negação do consenso científico sobre a realidade que nos cerca e da qual fazemos parte, particularmente de nossa história natural profunda, como do fato das formas de vida mudarem ao longo do tempo geológico e de sua ancestralidade comum, portanto, do parentesco generalizado entre os seres vivos. Assim, faz parte do modus operandi dos criacionistas negar que os biólogos evolutivos conheçam vários mecanismos evolutivos, inclusive os que são capazes de gerar informação e incorporá-la ao longo da evolução é uma necessidade em seu repertório de negação [veja, por exemplo, “A origem de nova informação genética. Parte I” e “A origem de nova informação genética. Parte II”, além da resposta no Tumblr sobre esse topico]. A estratégia de exagerar nossas falhas de conhecimento e distorcer as evidências, modelos, hipóteses e explicações científicas sobre a evolução dos seres vivos é central no movimento criacionista, disseminando a desinformação e a ignorância sempre que podem.
Sim, você está correto que as mutações genéticas e a seleção natural são alguns dos mecanismos evolutivos estudados pelos cientistas, mas existem outros como a deriva genética e o efeito carona (às vezes, chamado de ‘arrasto genético’, ou ‘genetic draft’ em contraste com a ‘deriva genética’, ’genetic drift’), apenas para citar dois bem conhecidos entre os geneticistas evolutivos modernos, além de outros que estão sendo avaliados como o ‘impulso molecular’ – ‘molecular drive’, que envolveria vários processos e mecanismos de renovação genômica, inclusive coisas como a conversão gênica enviesada responsável pela chamada evolução em concerto) e mecanismos que agiriam em escalas taxonômicas e ecológicas mais amplas como os processos de triagem e seleção de espécies (veja The Hierarchy of Selection), bastante discutidos na literatura paleobiológica, conjuntamente com fenômenos como a estase coordenada e os pulsos de renovação.
Portanto, existem muitos outros mecanismos evolutivos sendo investigados, além dos mais conhecidos, e não há motivos a priori para não buscarmos mais mecanismos caso os já conhecidos não expliquem tão bem os fenômenos evolutivos. Uma parte substancial das discussões internas a biologia evolutiva - ou seja, àquelas sobre os padrões e mecanismos evolutivos - é exatamente sobre a suficiência de certas classes de explicação evolutiva mais tradicionais (tipicamente em relação aos mecanismos intra-populacionais como mutação, deriva, seleção, recombinação etc), os ditos mecanismos microevolutivos, para explicar os padrões mais gerais de alternância, estabilidade e abundância relativa de táxons ao longo da história evolutiva de nosso planeta. Estas propostas tem sido constantemente postas à prova por análises quantitativas dos registro fóssil e por meio de comparações estatísticas entre padrões filogenéticos, especialmente referentes a originação, extinção e duração de táxons, ao longo da história de nosso planeta e dos diversos grupos estudados que as contrastam com as informações paleoecológicas e paleoclimáticas e com as características dos grupos em seus mais diversos níveis.
Contudo, o que é essencial em toda esta discussão é que os mecanismos e processos estudados sejam acessíveis a investigação empírica, operacionalmente definíveis e, portanto, comparáveis em termos dos padrões gerados por eles e seus desfechos em relação aos de mecanismos já melhor estudados. Não há lugar, na moderna biologia evolutiva, para a postulação de intervenções sobrenaturais inferidas, simplesmente, por que existiriam lacunas (na imensa maioria das vezes muito exageradas pelos criacionistas, diga-se de passagem) em nosso estado de conhecimento, uma vez que este tipo de suposição (tipica dos criacionistas) não nos acrescenta nada em termos científicos palpáveis (não compreendemos melhor a questão, não coletamos dados mais robustos, não criamos modelos mais precisos etc) e é feita apenas como parte de uma agenda proselitista que tem como objetivo confundir ciência com certas posições religiosas.
Dê também uma olhada em dois posts do evolucionismo.org que foram escritos (“Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa Parte I” e “Sobre revistas, criacionismo e portais de imprensa. Parte II”) em resposta a um texto criacionista que infelizmente foi publicado no Observatório da Imprensa.
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Literatura recomendada:
Vrba, Elisabeth S. 1984. What is species selection? Systematic Zoology 33:318–328 http://www.jstor.org/stable/2413077
Jablonski, D. Species Selection: Theory and Data Annual Review of Ecology, Evolution, and Systematics Vol. 39: 501-524, 2008 DOI: 10.1146/annurev.ecolsys.39.110707.173510
Rabosky DL, McCune AR. Reinventing species selection with molecular phylogenies. Trends Ecol Evol. 2010 Feb;25(2):68-74. Doi: 10.1016/j.tree.2009.07.002.pub 2009 Sep 7. PubMed PMID: 19740566.
Rabosky DL. Heritability of extinction rates links diversification patterns in
molecular phylogenies and fossils. Syst Biol. 2009 Dec;58(6):629-40. doi:10.1093/sysbio/syp069.
Dover G. Molecular drive. Trends Genet. 2002 Nov;18(11):587-9. PubMed PMID12414190.
Dover G. Molecular drive: a cohesive mode of species evolution. Nature. 1982 Sep 9;299(5879):111-7. PubMed PMID: 7110332.
Ohta T, Dover GA. The cohesive population genetics of molecular drive. Genetics. 1984 Oct;108(2):501-21. PubMed PMID: 6500260; PubMed Central PMCID: PMC1202420.
Dover GA, Tautz D. Conservation and divergence in multigene families: alternatives to selection and drift. Philos Trans R Soc Lond B Biol Sci. 1986 Jan 29;312(1154):275-89. PubMed PMID: 2870522.
Dover, Gabriel A.Molecular drive in multigene families: How biological novelties arise, spread and are assimilated Trends in Genetics, Volume 2, 159-165, 1 January 1986 doi:10.1016/0168-9525(86)90211-8
Liao D. Concerted evolution: molecular mechanism and biological implications. Am J Hum Genet. 1999 Jan;64(1):24-30. Review. PubMed PMID: 9915939; PubMed Central PMCID: PMC1377698. [Link]
Grande abraço,
Rodrigo