Tuesday September 06, 2011
Anonymous: Como o evolucionismo explica o amor?
Nas últimas décadas as emoções, cada vez mais, têm ganho atenção de várias disciplinas científicas, especialmente das neurociências. Alguns estudos de pesquisadores como Antônio Damásio e Joseph Ledoux põem em evidência o papel das emoções na modulação da cognição, percepção e memória e todo um novo campo chamado de Neurociência Afetiva foi criado visando investigar as bases biológicas das emoções.
Estudos comparativos em uma vasta gama de modelos animais em conjunto com estudos psicológicos, antropológicos, psicofisiológicos e de neuroimagem em seres humanos, têm nos permitido vislumbrar como a evolução do amor, assim como de outras emoções e sentimentos deve ter ocorrido. Estes mesmos estudos neurocientíficos mostram como as emoções e os sistemas biológicos que lhes dão suporte são cruciais para a sobrevivência e reprodução dos animais, nós, seres humanos, inclusive.
O ponto mais fundamental é que ao falarmos da evolução de qualquer característica é preciso ter clara a sua base material e sua inserção em um contexto ecológico-demográfico que na nossa espécie envolve também o nosso ambiente sociocultural. No caso das emoções essa inserção ocorre através do papel que elas desempenham nos comportamentos adotados pelos animais e na forma como estes comportamentos influenciam o sucesso reprodutivo dessas criaturas. Vários trabalhos têm mostrado que muitos desses comportamentos dependem de certos sistemas neurobiológicos associados a atenção e motivação que são compartilhados pela grande maioria dos vertebrados. Estes sistemas estão por trás de sentimentos fundamentais como a fome, a raiva, o medo e o desejo sexual e dos comportamentos adaptativos regidos por eles.
Os sistemas de motivação e atenção controlariam, de um modo geral, as reações de aversão e prazer que direcionam a atenção dos animais a determinados estímulos, os fazendo buscar determinadas situações e se afastar de outras. Assim, as atividades naturalmente gratificantes ou prazerosas são fundamentais à sobrevivência dos indivíduos ao predispô-los a certas atitudes e impulsioná-los em direção a comportamentos biológicos benéficos como comer e fazer sexo. Quando adotamos esta perspectiva fica bastante fácil de compreender em que contexto o amor pode ter evoluído a partir de sentimentos e emoções mais primitivas de nossos ancestrais.
O chamado sistema de recompensa representado pelas vias neuroquímicas mesolímbica e mesocortical é um dos elementos mais importantes deste processo, especialmente a via mesolímbica que inclui a área tegmental ventral, passa pelo feixe medial do prosencéfalo e vai até o núcleo accumbens, região onde se dá a libertação primária do neurotransmissor dopamina que age sobre os receptores de membrana D1 e D2, estimulando-os (D1) ou inibindo a produção (D2) do segundo mensageiro cAMP, produzindo uma série de alterações bioquímicas dentro das células alvo.
Além da dopamina, outros neurotransmissores monoaminérgicos, como a serotonina (5-hidroxitriptamina) e a noradrenalina estão também envolvidos de uma maneira ou outra no processo. Estudos com roedores e outros animais mostram que este sistema dopaminérgico tem seu pico de ativação durante a antecipação da recompensa, mas até do que com a conquista da mesma, mostrando o caráter direcionador deste mecanismo. Um fato interessante é que a grande maioria da drogas que causam dependência, como os opióides, a nicotina, as anfetaminas, o etanol e a cocaína, aumentam a liberação de dopamina na via mesolímbica e após a utilização prolongada podem produzir sensibilização e tolerância. Ao que parece o sistema de recompensa parece ser “seqüestrado” por estas várias substâncias de abuso que ativam essas mesmas vias e circuitos cerebrais que estímulos biológicos básicos e que estão intimamente ligados aos circuitos de memória e aprendizado, ajudando-nos a entender processos da dependência química, como a “fissura” (craving) - a resposta a mera visão da droga ou de circunstâncias que a lembrem - e a necessidade de doses cada vez maiores para que o individuo consiga obter os mesmos efeitos originais.
Mas como essas informações ajudam a explicar o amor? A resposta envolve o papel do amor na afiliação social, no apego entre indivíduos. Os efeitos na performance reprodutiva dos indivíduos seriam mediados pelos comportamentos afiliativos - como os associados a formação de casais e aos vínculos entre mães e filhos – que são impulsionados por esta emoção.
Ao destrinchar alguns dos sentimentos que estão envolvidos no amor - como o prazer da companhia do ente amado e o desespero por sua ausência distância e perda, assim como toda a sorte de modificações fisiológicas (ex: alterações na frequência cardíaca e respiratória, calafrios, sensações entéricas, sudorese etc) associadas a estes sentimentos – percebemos como eles funcionam dirigindo nossa atenção ao ente amado, nos impulsionar na busca e manutenção da proximidade dele.
Creio que a essa altura já deve estar bastante claro que sentir falta do ente amado, assustar-se com sua ausência ou a mesmo com a mera possibilidade que isso ocorra, priorizando suas necessidades, às vezes em detrimento da própria – todos sentimentos e comportamentos associados ao que chamamos de amor – tenderiam se espalhar nas populações. Uniões mais estáveis e concomitante maior cuidado parental seriam as consequências imediatas do amor. Então, tanto o amor filial-parental (e, de modo mais amplo, familiar) como o amor romântico (entre parceiros) podem ser vistos como partes cruciais na cadeia de mecanismos motivacionais do comportamento de corte, acasalamento e cuidado parental. Portanto, o amor, através dos sentimentos e sensações a ele associados, funcionam como elemento motivador, agindo de uma semelhante a fome, a aversão à dor e ao medo de predadores.
A afiliação social é, portanto, um dos mais importantes comportamentos pró-sociais que existem e se insere, de modo mais amplo, na evolução da cooperação e do altruísmo e, desta maneira, dos nossos juízos éticos e morais. Em um período de menos de 3 milhões de anos de evolução, o cérebro dos hominídeos aumentou cerca de três vezes em volume, em nossa linhagem, provavelmente em consonância com a evolução de um parto proporcionalmente precoce e um aumento do período de infância, algo que aconteceu inclusive por restrições no tamanho da pélvis feminina e da aceleração dos padrões de crescimento craniano do nascituro. Por causa disso, os bebês e crianças humanas são bastante vulneráveis, eles necessitam de um extenso período de aprendizado social e convivência íntima com seus pais e familiares. Neste sentido, o amor teria suas origens evolutivas nesses impulsos e sentimentos básicos, e nos sistemas neuroendócrinos que lhes dão suporte, e que possuem claro valor adaptativo. Mas ao longo da evolução nossa linhagem, a dos grandes primatas e especialmente a dos hominídeos, evoluiu comportamentos redes e sociais cada vez mais complexas (com vários tipos de interação familiar e sociais) associadas a capacidades cognitivas e metacognitivas muito maiores. O que chamamos de amor, pelo menos em suas formas mais básicas, deve ter surgido deste processo de evolução de nossos sistemas emocionais, de cognição abstrata e reconhecimento social.
Esta perspectiva, nunca é demais ressaltar, como vimos, faz todo o sentido do ponto de vista adaptativo, mas mais do que isso ela é calcada na existência de um conjunto de circuitos e mecanismos neurais e hormonais ancestrais altamente conservados que serviam à formação e manutenção dos vínculos afetivos, como é facilmente demonstrado por muitos estudos em várias espécies de mamíferos e alguns outros vertebrados. A base neuroquímica e os circuitos fundamentais para o amor já estavam todos lá.
Entre as moléculas mais fundamentais que fazem parte dessas vias neuroquímicas que - interagem com os sistemas atencionais-motivacionais de recompensa mais gerais (associados a secreção de dopamina e outras monoaminas) - estão a oxitocina, a vasopressina e a prolactina. A prolactina a oxitocina são dois peptídeos cujos papéis na regulação hormonal da reprodução já são bem conhecidos. A prolactina é recebeu este nome por sua capacidade de promover a lactação em resposta ao estímulo de sucção dos mamilos das fêmeas, após o parto e a oxitocina (que também é secretada em resposta a estimulação do mamilos, estando envolvida na ejeção de leite) é mais conhecida por estimular as contrações uterinas durante o parto. A vasopressina (também conhecida como “hormônio antidiurético”), um outro nonapeptídeo (composto por 9 resíduos de aminoácidos) estruturalmente relacionado a oxitocina, por outro lado, foi originalmente descoberta por seu papel no controle da reabsorção de moléculas nos túbulos renais, controle da permeabilidade do tecido e também por cause de seu efeito no aumento a resistência vascular periférica, o que leva ao aumento da pressão arterial. Porém, além das funções descritas no parágrafo anterior, todas essas moléculas desempenham papéis adicionais na reprodução, particularmente na modulação de comportamentos acasalamento e cuidado parental. Estes neuropeptídeos, e algumas das vias neuroendócrinas em que estão envolvidos, têm sido sistematicamente correlacionados à vinculação e ao apego, especialmente, entre mães e filhotes, mas também entre parceiros. Uma gama de trabalhos de espécies monogâmicas mostram que estes mesmos hormônios peptídicos, especialmente a oxitocina e a vasopressina, exercem também um papel no reconhecimento de parceiros, vinculação seletiva, além do grooming e do comportamento sexual pós-cópula etc.
Um estudo, hoje clássico, de 1992, mostrou que duas espécies de roedores do gênero Microtus - selecionados por causa de diferenças nos padrões de afiliação social, uma monogâmica (Microtus ochrogaster) e outra poligâmica (Microtus montanus) - exibiam padrões de expressão e localização de receptores cerebrais para o neuropeptídeo oxitocina bem diferentes uma da outra. Na espécie mais promíscua e que exibe pouco comportamento afiliativo, exceto no período pós-parto, foi possível mostrar que concomitante este período ocorria uma distribuição dos receptores para oxitocina, em um período de 24 após o parto, assemelhando-se mais ao padrão regular da espécie monogâmica. Esses dados foram alguns dos primeiros a sugerir que a expressão variável do receptor de oxitocina no cérebro poderia ser uma mecanismo importante na evolução das diferenças espécie-específicas nos padrões afiliativos entre mamíferos. Resultados semelhantes foram encontrados com o receptor para a vasopressina. Neste estudos também foram descritos padrões bastante diferentes de ligação ao receptor da vasopressina nos cérebros de animais entre a espécie da pradaria (monogâmica) e da montanha (a promíscua).
O papel da prolactina na formação de vínculos entre parceiros é um pouco menos claro. Alguns estudos têm sugerido que a secreção da prolactina após o orgasmo pode diminuir a excitação sexual, talvez sinalizando que o prazer foi suficiente. Um desses estudos contando com uma pequena amostra (10 mulheres) revelou um aumento nos hormônios adrenalina, noradrenalina e prolactina que ocorreram durante a excitação e orgasmo induzido por masturbação. Porém o aumento de prolactina foi muito mais dramático e duradouro que o das demais moléculas. Trabalhos anteriores com animais e seres humanos do sexo masculino também haviam mostrado padrões de secreção de prolactina em condições similares. Esses três conjuntos de dados indicam, portanto, que os níveis de prolactina podem servir como um mecanismo de feedback negativo no controle de excitação e do comportamento sexual em seres humanos e outros animais. Devido ao seu efeito negativo na libido, talvez mediada pela sustentada secreção desta molécula iniciada logo após a ativação do sistema de recompensa, foi sugerido que este peptídeo funcionaria como um mecanismo de priorização dos vínculos materno-filiais sobre os entre parceiros. A ideia é que ao limitar o prazer pós-cópula, especialmente durante o período de amamentação, ajudaria a desviar a atenção dos parceiros ao cuidado da prole, mas isso ainda é bastante especulativo.
Hormônios nonapeptídicos semelhantes a oxitocina e a vasopressina que desempenham funções equivalentes - respectivamente, reprodutivas (como a oxitocina) e regulatórias da água (como a vasopressina) - estão presentes em praticamente todos os vertebrados. Como os dois genes, além de estruturalmente próximos, estão em são geral localizados no mesmo cromossomo muito próximos (menos de 15.000 bases de distância) um do outro, acredita-se que os dois genes resultaram de um evento de duplicação gênica. O gene ancestral teria uma idade estimada em algo em torno de 500 milhões de anos, sendo ainda encontrado em cópia única em animais como as Lampreias, membro moderno do grupo dos Agnatas [Gimpl G, Fahrenholz, 2001], mais uma vez mostrando como a evolução procede reciclando e reorganizando os mesmos materiais básicos, empregando-os em novas funções.
Existem muitas similaridades entre as bases biológicas que regem o estabelecimento de laços entre os pais e sua prole como entre parceiros. Entretanto, a precedência da ligação recíproca materno-filial, comum a todos os mamíferos, sugere que este tipo de apego seria muito mais antigo, constituindo a forma “ancestral de amor”, e os demais sistemas de afiliação, e, portanto, das outras formas de amor, devem ter evoluído da ligação entre mães e filhotes e a partir da co-optação e modificação de sua maquinaria neuroendócrina. Algumas pistas sobre como este processo pode ter se dado, podem ser encontradas em algumas diferenças muito importantes, entre o estabelecimento de laços entre algumas espécies de mamíferos, que se estabeleceram ao longo da evolução, tanto na maneira como estes mecanismos são ativados, como nas respostas comportamentais que resultam da ativação desses mecanismos.
Broad, Curley e Keverne (2006) chamam nossa atenção para o fato de que, na maioria dos mamíferos com cérebros pequenos (incluindo roedores), a formação do vínculo preferencial materno-filial (ou mesmo entre parceiros) requer o reconhecimento entre indivíduos através de estímulos olfativos, a ativação do mecanismos neurais de recompensa social por esses sinais e o “priming” hormonal gênero-específico para que seja produzido o comportamento propriamente dito. Por outro lado, em espécies com cérebros maiores e mais complexos algo diferente é observado. Em macacos com e sem cauda, por exemplo, juntamente com o aumento da complexidade das relações sociais e das estratégias de afiliação, ocorreu uma significativa redundância do “priming” hormonal na deflagração do comportamento motivado. Ao que parece, durante a evolução houve uma regulação negativa da necessidade de reconhecimento olfativo como forma de ativação das áreas do cérebro associadas a recompensa social que passou a depender de estratégias de reconhecimento baseadas na integração de múltiplos sinais sensoriais. Este tipo de integração multi-sensorial, por sua vez, exige um neocórtex aumentado, particularmente em regiões corticais associativas.
Como observarmos em várias espécies de macacos do velho-mundo, em várias situações a simples cuidado monoparental (materno-filial) não é suficiente para garantir a sobrevivência, crescimento e amadurecimento da prole. Mesmo casais coesos podem não ser suficientes para garantir isso. Entretanto, ao viver em grandes grupos sociais, esta deficiência poderia ser sanada através de uma rede de cuidados mais amplos promovidos por esta família estendida através de relações “aloparentais”. Contudo, este tipo de relação social depende de uma emancipação do controle hormonal estrito e de comportamentos estereotipados de cuidado parental, e uma dependência cada vez maior dos grandes cérebros que co-evoluíram durante esse processo para a tomada de decisões antes simplesmente determinadas pelo estado hormonal. Esta emancipação, do apego e afiliação, de pistas de reconhecimento olfativo e do “priming” hormonal se deu através do aumento da importância do aprendizado social que se tornou essencial em função da vida em um mundo social complexo, como é, especialmente, verdade para nós seres humanos. Um mundo em que herança cultural desempenha um papel chave. Aos poucos esses sistemas foram tornando-se menos dependentes dos hormônios e do olfato e mais da cognição e do aprendizado.
Focando no amor romântico, aquele associado a parceiros não-aparentados e que muitos se referem como paixão, pelo menos em sues estágios iniciais, existem vários estudos bem específicos sobre ele. Esta forma de amor é também um fenômeno transcultural e com vários marcadores psicológicos, fisiológicos e comportamentais descritos e medidos por vários pesquisadores que revelam suas peculiaridades e suas diferenças de outras formas de amor. Entre as respostas emocionais associadas as fases iniciais do amor romântico, estão a euforia intensa, a atenção focada no indivíduo amado, pensamento obsessivo sobre ele ou dependência emocional do mesmo, além de desejo pelo amado (o termo empregado por muito autores é “craving” que pode ser traduzido como “fissura”) pela união emocional com ente amado, e a sensação de ‘energia’ aumentada. Contudo, talvez o mais curioso é que muitos dos eventos que parecem ocorrer em nossos cérebros quando estamos apaixonados têm semelhanças com certos distúrbios psicológicos. Estudos preliminares com poucos indivíduos mostraram ativação específica, em resposta a visão da pessoa amada, de regiões associadas aos jogos (envolvendo apostas em dinheiro), a incerteza de grandes ganhos e perdas, e em regiões ligadas a teoria da mente, e a também aos comportamentos obsessivo-compulsivos e ao controle da raiva.

Vários estudos de imageamento cerebral, como por exemplo utilizando de Imagens por Ressonância Magnética funcional (IMRf) têm sido empegados para investigar como os cérebros dos indivíduos se comportam ao serem confrontados com fotos ou indagados sobre os entes amados. Alguns desses estudos mostram diferenças entre o padrão de ativação dos cérebros de indivíduos apaixonados para os que tem sentimentos de amor em relação aos filhos, por exemplo (veja Bartels e Zeki, 2004).
Mas talvez o conjunto de estudos e modelos mais completos e interessantes, desta vez, bem centrada no amor romântico (a paixão) são as levadas a cabo pela antropóloga evolutiva Helen Fisher, da Rutgers University em Nova Jersey, e seus vários colaboradores. Seus estudos e hipóteses são muito interessantes e dos mais esclarecedores, ilustrando como a abordagem evolutiva pode nos ajudar a compreender a origem do amor e de suas bases neurobiológicas.
Em um desses estudos realizado por Fisher, Arthur Aron, Lucy, Brown e outros colaboradores (2005), , contando com 17 indivíduos, foi mostrado que o estágio inicial do amor romântico estava correlacionado com ativação de sistemas dopaminérgicos corticais e dos núcleos da base - sistemas que estão associados a recompensa e a motivação - como já havíamos comentado em relação a vários estudos em modelos animais - além de áreas envolvidas na regulação de outras emoções e da atenção. O protocolo era bastante simples: Aos participantes do estudo era exibida uma fotografia da pessoa amada e uma outra fotografia de uma pessoa da família, intercaladas com uma tarefa de distração da atenção. Os indivíduos que expressaram mais paixão romântica em um questionário mostraram mais ativação nessas regiões antes mencionadas. Aqueles em um relacionamento mais durador mostraram também uma maior ativação em áreas relacionadas com outras emoções. Os resultados do estudo também mostraram que homens e mulheres tendem a mostrar alguns padrões de respostas cerebrais diferentes.
De forma complementar a rejeição romântica pode provocar um profundo sentimento de perda e de afeto negativo, chegando mesmo a induzir a depressão clínica e em casos extremos levar ao suicídio e/ou homicídio. Fisher comenta que este sentimento seria mais forte que os nossos impulsos sexuais diretos já que, como ela afirma:
Então, com o objetivo de investigar as áreas ativadas nesta situação e compará-las com o padrão de ativação cerebral em indivíduos apaixonados (mas felizes, cujo amor era correspondido) foram avaliadas, através de IRMf, 10 mulheres e 5 homens que tinham sido recentemente rejeitados pelos parceiros, mas que informaram ainda estarem apaixonados por seus antigos parceiros. O protocolo semelhante ao anteriormente descrito, envolvia que os participantes, alternadamente, vissem uma fotografia de seu amado que os rejeitara e uma fotografia de um familiar, intercaladas com uma tarefa de distração da atenção. Suas respostas ao olhar seus amados incluíram amor, desespero, boas e más recordações, e divagação por que o rompimento teria acontecido. Ao verem a imagem da pessoa amada a ativação específica ocorreu em áreas associadas com ganhos e perdas, fissura e regulação de desejo e emoções. Os dados se assemelham muito ao dados dos “apaixonados felizes” revelados pelo estudo descrito anteriormente, o que levou os pesquisadores a crerem que a ativação de regiões mesolímbicas ligadas a regulação de sistemas de recompensa/sobrevivência estão envolvidas nos dois lados da paixão romântica.
Baseado nestes e em outros muitos estudos Fisher propôs que existem três fazes no processo de se apaixonar e cada uma delas envolveria hormônios diferentes: Desejo (Lust), Atração (Attraction) e Apego (Attachment). O desejo seria impulsionado por hormônios sexuais como testosterona e o estrogênio. Já a atração, considerada a etapa em que os indivíduos estariam verdadeiramente apaixonados, envolveria o sistema neurotransmissores das monoaminas, como dopamina e noradrenalina e o 5-HT (serotonina). Esta fase parece ser caracterizada por um comportamento obsessivo nas relações entre os parceiros românticos, já que as pessoas apaixonadas têm dificuldade em pensar em outra coisa além do ente amado. Nesta etapa pode haver perda de apetite e insônia, e muitas vezes os apaixonados preferem passar horas pensando em seu novo amado a fazer qualquer outra coisa. O “apego”, etapa que se sucederia a fase da “atração”, caso uma relação venha a continuar, é um compromisso mais duradouro e seria o vínculo que mantém os casais juntos quando vão ter filhos. Nesta fase encontramos os dois hormônios/neuromoduladores bem a esta altura bem familares, liberados pelo sistema nervoso, que acredita-se desempenharem um papel chave da afiliação social, a oxitocina e a vasopressina.
Em mamíferos e nas aves é clara a necessidade de expressar, de maneira regular, as preferências e proceder a escolha de parceiros. Entre os mamíferos, vários estudos sugerem que estes fenômenos e o “sistemas de atração” [como o denominam Fisher, Aron e Brown (2006)] dependem dos sistemas cerebrais dopaminérgicos de atenção e recompensa, como já havíamos visto. Nós humanos, como mamíferos, não devemos ser tão diferentes dos demais. Portanto, foi proposto que o amor romântico intenso seria uma forma derivada deste sistema primordial de atração e, como também já discutido, teria evoluído concomitantemente as mudanças sociais e culturais em nossa linhagem e em consonância ao cada vez maior papel de sistemas de detecção multisensorial e de cognição.
Segundo Fisher, o impulso sexual teria evoluído como o elemento motivador básico que permitiria aos indivíduos buscarem uma série de parceiros de acasalamento; já a atração motivaria os indivíduos a escolherem e buscarem parceiros específicos; focando sua atenção de forma mais seletiva; e, por fim, o apego teria evoluído em um contexto em que seria vantajoso que os indivíduos permanecessem juntos por tempo suficiente, especialmente para completar tarefas ligadas ao cuidado parental, o que maximizaria as chances de sobrevivência da prole que, como também já apontado, em nossa espécie é por muito tempo frágil e dependente de um demorado processo de aprendizado social. Fisher argumenta que estes três repertórios comportamentais parecem estar baseados em sistemas neurais amplamente distintos um do outro, porém inter-conectados e que interagem de formas específicas na orquestração da reprodução, utilizando tanto sistemas de hormônios, como de neurotransmissores monoaminérgicos. Por fim, Fisher conclui que a atração romântica em seres humanos, e seus antecedentes em outras espécies de mamíferos, desempenham um papel essencial que são instanciados através destes mecanismos neurais subjacentes, ao motivar os indivíduos a concentrarem seu foco de acasalamento em parceiros específicos, evitando que, dispersem seu tempo e energia metabólica, em múltiplos parceiros, facilitando, assim a escolha de um companheiro adequado.
Contudo, o amor é uma emoção que pode ser ainda mais abrangente do que o envolvendo pais-filhos (e familiares próximos de modo mais geral) e o “romântico”, entre parceiros. Este termo pode também ser empregado também para descrever a emoção sentida em outras formas de laços cujo papel adaptativo é menos óbvio. A própria amizade pode ser descrita como uma forma de amor, assim como as emoções suscitadas pelas pessoas em geral, animais não-humanos, objetos etc. Como vimos anteriormente, parte disso pode ser explicado pelo sistema de cuidado estendido “aloparental” e pela regulação negativa da dependência do priming hormonal e da substituição do reconhecimento por sinais olfativos por um repertório mais amplo de pistas sensoriais e sociais que exigiram habilidades cognitivas mais complexas e um senso de pertencimento e afinidades mais amplo.

Como os sistemas de reconhecimento de parentes não funcionam de forma direta (e muito menos perfeita), mas utilizam-se da integração de estímulos multi-sensoriais e do aprendizado social, utilizando-se de pistas múltiplas indiretas (ex: proximidade física desde a infância, familiaridade e percepção de semelhanças emocionais e cognitivas como meio de diferenciar parentes e parceiros em potencial, de todos os outros). Estas mesmas pistas poderiam identificar indivíduos não relacionados ou mesmo pelos quais não houvesse interesse sexual. Assim, a falta de parentesco não seria mais um obstáculo. Pense, por exemplo, no célebre caso dos jovens gansos seguindo Konrad Lorenz (o “imprinting comportamental” entre espécies diferentes). Os jovens gansinhos simplesmente seguem o primeiro animal ou objeto que vêem (que na grande maioria das vezes é a própria mamãe gansa e só muito raramente um etologista Austríaco) e é assim que determinam quem é sua mãe. O amor estendido a outros indivíduos e a amizade poderiam muito bem ter se originado como um “erro de identificação”, pelo simples fato dos grupos sociais terem se tornado maiores e, portanto, indivíduos não aparentados conviveriam em proximidade aos núcleos familiares mais tradicionais.
Aquilo que era completamente adequado em um momento em que os grupos de convívio eram basicamente compostos por indivíduos muito aparentados, deixou de ser efetivo. Porém, como talvez, simplesmente, fosse ser muito custoso ou complicado (do ponto de vista mutacional e dos sistemas sensoriais e neurais) modificar tais sistemas e torná-los mais específicos e o impacto negativo na aptidão fosse mínimo (ou mesmo inexistente), desta maneira, os mesmos velhos sistemas continuaram a evoluir já que cumpririam seu papel de forma razoável. Entretanto, com a evolução e as mudanças de contexto este sistema não precisaria permanecer, necessariamente, neutro ou mesmo mal-adaptativo o tempo todo. Eventualmente poderia até trazer algumas vantagens como na criação das crianças e jovens, como em sistemas aloparentais. Desta forma, estes “erros de identificação”, e a conseqüente extensão da família, teria sido então co-optada pela evolução biológica e cultural e estaria na base da codificação moral. Além disso, algo semelhante poderia ter se dado de maneira mais direta através da seleção de grupos (grupos mais coesos e amistoso teriam maior sucesso do que os grupos menos amistosos e coesos) ou por seleção em rede, em que indivíduos com características semelhantes tenderiam a se agrupar, reforçar laços e cooperar de forma mais efetiva que os menos propensos a fazer amigos.
Em ambos os cenários (adaptação direta ou subproduto das limitações dos sistemas de reconhecimento) estas formas de amor mais universal teriam evoluído a partir dos mesmos sistemas que estão na base do amor parental-filial e romântico que são mais claramente adaptativos. Portanto, a biologia evolutiva explica o amor (ainda de forma bem tentativa e inicial) ao revelar o contexto sócio-ecológico e reprodutivo em que tal emoção (e sua base neuroendócrina e comportamental) deve ter se originado e evoluído. Faz isso, é bom sempre lembrar, sem negar a experiência em si e, inclusive, ressaltando seu importante papel psicossocial e cultural.
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Literatura Recomendada:
Fisher, Helen 2008 Por que Amamos 2a. edição Editora Record ISBN: 8501071838 364p
Material adicional e avançado:
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Grande Abraço!
Rodrigo