Tuesday September 17, 2013
Anonymous: Voce poderia definir o que são novidades evolutivas? O que são variações adaptativas? Elas são diferentes? Usam os mesmos mecanismo? São dependentes de escala? São associados à irradiação adaptativa ou não?
Existem várias formas de usar esta expressão, ‘novidades evolutivas’, mesmo dentro da literatura científica [1], mas não é incomum que ela seja empregada para designar características fenotípicas ou genéticas que sejam distintivas de um grupo ao surgirem durante a evolução e a sua história de divergência de outros grupos de seres vivos, podendo muitas vezes servir de critério de diagnóstico para o grupo, como é o caso do emprego desta expressão na cladística, a principal e mais disseminadas estratégia de inferência da estrutura de parentesco entre (e de classificação) dos seres vivos. Neste caso, as tais novidades seriam equivalentes as ‘apomorfias’, ou seja, características em estado derivados em relação a outras mais ancestrais, como as ‘sinapomorfias’ e ‘autapomofias’. Neste caso específico, sim, haverá sempre uma dependência de escala pois uma novidade para um grupo pode ser uma característica em estado ancestral para um subgrupo que se originou depois dentro daquele grupo. Para compreender melhor o que significam estes termos, dê uma olhadinha na série de artigo de nossa nova colaboradora no evolucionismo, Ester de Oliveira [“Filogenia mastigada para biólogos e demais curiosos 1: Princípios de Filogenia” e “Filogenia mastigada para biólogos e demais curiosos 2: Séries de transformações e polarização”].
Porém, em uma acepção mais geral, as novidades evolutivas são aquelas características que trouxeram à tona, durante a evolução, novos modos de vida, como o esqueleto, a carapaça da tartaruga, asas e penas das aves, olhos com câmeras, a transição da mandíbula → ouvidos, coração,flores, genes Hox, reprodução sexual etc [1]. Como colocou Ernst Mayr (citado por Wilkins), as novidades evolutivas seriam “qualquer estrutura ou propriedade recém-adquirida, que permite a realização de uma nova função, a qual, por sua vez, terá aberto uma nova zona adaptativa”. Mas existem outras definições. Por exemplo, alguns pesquisadores como Gunther Wagner e Gerd B. Muller tendem a definir a expressão de uma maneira relacionada a de Mayr, mas muito mais restritiva, definindo uma novidade evolutiva como sendo “uma estrutura que não é homóloga a qualquer estrutura na espécie ancestral e nem homônima a nenhuma outra estrutura do mesmo organismo” (também citado por Wilkins).
Para maiores detalhes veja o post de John Wilkins sobre essa questão específica aqui e o post mais geral dele sobre novidades evolutivas, “Notes on novelty”. O biólogo evolutivo e filósofo Massimo Pigliucci revisou a literatura sobre o tema e encontrou uma diversidade de definições e empregos distintos deste termo, e argumenta que é preciso expandir nosso repertório conceitual para podermos compreender como estas novidades surgem ao longo da evolução e não só como elas se expandem pela população [1], como também pensam Wagner e Lynch [2]. É neste ponto que entramos na sua outra questão sobre o que é ‘variabilidade adaptativa’.
Embora esta expressão ‘variação adaptativa’ também possa ser compreendida de várias formas, normalmente, ela refere-se, simplesmente, a qualquer característica em uma população que confira maior aptidão (ou seja sucesso reprodutivo) aos seus portadores em um dado contexto ecológico e demográfico em relação aos portadores de outras características. Ela contrastaria com a “variação neutra”, isto é, que não traz efeitos relevantes sobre a aptidão dos organismos e cujo destino é basicamente definido pela deriva genética ou por associação oportunística com alguma variação adaptativa, e a “variação deletéria” que está associada com menor aptidão e que geralmente e purgada pela seleção natural purificadora.
Assim, a variação adaptativa (pelo menos como a defini) é um pré-requisito da evolução por seleção natural já que este mecanismo depende da existência de variação fenotípica sistematica e causalmente associada ao sucesso reprodutivo diferencial de certos indivíduos em uma população, ou seja, sua aptidão. Neste sentido, a variação adaptativa seria também pré-requisito para as grandes 'novidades evolutivas’, como sistemas, estruturas, órgãos, comportamentos etc que permitiram a evolução de novos modos de vida, novos nichos e a entrada em novas zonas adaptativas, já que tais características seriam resultado da ação cumulativa da seleção natural agindo sobre variação adaptativa hereditária - mas não só isso, já que, cada vez mais, tem sido apontado que outros fatores evolutivos como deriva genética, o efeito carona e outros processos estocásticos e tendenciosidades evolutivas são cruciais para origem de muitas estruturas complexas etc.
Então, no caso das características que permitem a formação de novos nichos e a entrada em novas zonas adaptativas, entendendo assim as grandes 'novidades evolutivas’, elas estariam na base das irradiações adaptativas, como parece ter sido o caso do ovo cleidóico (aquele com casca resistentes a dessecação e porosa) que juntamente com outros fatores teria sido crucial na evolução dos vertebrados terrestres e a conquista definitiva deste ambiente. Contudo, este não precisa sempre o caso, por que estas novidades não precisam necessariamente provocarem, assim que se originam, uma grande explosão da diversidade, mesmo por que as irradiações adaptativas provavelmente dependem de múltiplos fatores. Além do mais, no caso do emprego do termo como é feito na sistemática filogenética, as estruturas usadas no diagnóstico de grupos não precisam ser adaptativas por si mesmas e, portanto, produtos diretos da evolução por seleção natural, mas apenas exclusivas dos grupos e derivadas de estruturas de ancestrais eque as exibiam em estados mais primitivos.
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Literatura Recomendada:
Pigliucci, Massimo. 2008. What, if Anything, Is an Evolutionary Novelty? Philosophy of Science 75 (5):887-898.
Wagner, Günter P., Lynch, Vincent J. Evolutionary novelties, Current Biology, Volume 20, Issue 2, 26 January 2010, Pages R48-R52, ISSN 0960-9822, http://dx.doi.org/10.1016/j.cub.2009.11.010.
Grande abraço,
Rodrigo