Um único gene, muitas histórias:
Em um novo estudo, pesquisadores de Harvard e da Universidade do Kentucky mostram que mudanças na cor da pelagem em camundongos silvestres são o resultado não de uma única mutação, mas de muitas mutações, todos em um único gene [1].
Embora acumulemos cada vez mais e mais evidências do processo de evolução adaptativa, ainda temos muitas dúvidas este processo ocorre em detalhe, especialmente ao nível molecular. Uma questão que se destaca, por exemplo, e para qual não temos uma boa resposta e se a evolução pro seleção natural ocorre por mudanças genéticas de grandes efeitos ou, como sugerido por Darwin e modelado por Fisher, ocorreria através de pequenas mudanças incrementais*, de modo a minimizar efeitos pleiotrópicos que são aqueles causados pelos multiplos papéis exercidos por muitos genes.
Felizmente, as modernas técnicas de sequenciamento genômico e análise genotípica vêm sendo aplicadas a modelos experimentais de evolução fenotípica e a dados oriundos de populações naturais, cuja ecologia, genética e demografia são muito bem conhecidas e que podem ser analisadas por estratégias computacionais e estatísticas capazes de detectar as marcas da seleção natural e de outros processos evolutivos. Um destes modelos de estudo é o 'camundongo veadeiro' (Peromyscus maniculatus). Estes pequenos roedores são um dos mamíferos mais abundantes e mais amplamente distribuídos na América do Norte, normalmente, exibindo um cobertura de pelos escuros que lhes permite confundirem-se com os solos escuros da maioria das regiões onde vivem, evitando que potenciais predadores como aves de rapinas os vejam e alimentem-se deles. Para o qual a coloração dos pelos pode ser um questão de vida e a morte. Acontece que em algumas regiões habitadas por estes animais, o solo não é escuro.
Na realidade, em algumas delas, o solo é bem claro e animais com pelagem escura destacam-se contra o fundo arenoso, tornando-se alvos fáceis para vários predadores que se orientam pela visão. Por exemlo, os animais desta espécie que vivem nas Sand hills ('colinas de areia'), no estado de Nebraska, enfrentam estas condições, mas, não por acaso, evoluiram suas próprias formas de prosperar nestes habitats, acabando por nos oferecer uma incrível oportunidade estudo da evolução adaptativa.
Nossa história começa quando os primeiros camundongos desta espécie com pelagem escura, colonizaram esta região. O problema é que por causa de sua coloração escura e padrão de pelagem eles destacavam-se dramaticamente contra a coloração clara, do terreno arenoso. Porém, ao longo dos 8.000 anos seguintes, as populações desses camundongos evoluíram um sistema de camuflagem, com coberturas de pelagem bem mais claras, além de mudanças no padrão depelame que incluiam alterações nos limites entre a região dorsal e ventral do corpo e listras mais claras em suas caudas, ou seja, mudanças estas de pigmentação corporal que lhes permitiram misturar-se melhor em seu habitat.
Vários estudos usando estes animais como modelo têm sido realizados nos últimos anos e têm ajudado a mostrar como a evolução adaptativa da camuflagem ocorre, mas, até agora, a identificação das mutações precisas que estavam por trás dessas mudanças de fenótipo ainda não havia sido feita com precisão, o que era absolutamente necessário para que pudésemos responder a questão dos tamanhos dos efeitos das mutações envolvidos na evolução fenotípica adaptativa [1]. Até agora!
Agora, as pesquisadoras da universidade de Kentucky, Catherine Linnen, e da universidade de Harvard, Hopi Hoekstra, estão usando este modelo para investigar exatamente esta questão, ou seja, o tamanho dos efeitos das mutações que caracterizariam o processo de evolução adaptativa dos fenótipos. Os resultados foram descritos em artigo publicado, no dia 15 março, na revista Science, por uma equipe de cientistas que colaboraram com Linnen, a primeira autora do artigo, e Hoekstra, a autora sênior que vem trabalhando com estas populações de animais há anos.
As cientistas juntamente com seus colaboradores [2] foram capazes de mostrar que as mudanças na coloração da pelagem dos camundongos são o resultado não de uma única mutação, mas de pelo menos nove mutações em um mesmo gene único [1, 2].
"Os resultados demonstram como o efeito cumulativo da seleção natural, agindo em muitas pequenas mudanças genéticas, pode produzir uma mudança rápida e dramática" [1], disse Linnen que é a a primeira autora do artigo e acrescentou:
"Isso nos ajuda a compreender, a partir de uma perspetiva genética, o estranho ajustamento entre tantos organismos e seus ambientes. Ao agir sobre muitas pequenas mudanças, em vez de um punhado de grandes, a seleção natural pode produzir adaptações muito finamente ajustadas.” [1]
Mas como estes cientistas conseguiram descobrir isso?
Para começar, em função de estudos anteriores, já era bem conhecido que a coloração clara destes animais, que habitam estas colinas arenosas, estava fortemente ligada a mudanças em um única região do DNA, o locus Agouti, principalmente, alterações que ocorrem em uma região cis-ativa - ou seja, em partes não codificantes do gene, mas onde ligam-se proteínas chamadas de fatores de transcrição, capazes de regular a magnitude e a duração da expressão deste gene durante o crescimento dos pelos que é o que provoca um aumento concomitante na largura das bandas mais claramente pigmentadas nos pelos individuais. O papel deste gene chamado agouti, na camuflagem, foi originalmente descoberto por Linnen, Hoekstra e colegas em 2009, sendo já sabido que as alterações neste gene as responsáveis por alterações na pigmentação na pelagem de muitos outros animais. Por exemplo, todo gato preto domestico possui uma deleção na sequência de DNA deste gene [1]. Então, o gene agouti já era um velho conhecido dos biólogos, sendo responsável pelo nível de pigmentação e pelo padrão da coloração exibido pela pelagem dos mamíferos.
O produto principal deste gene é uma pequena proteína chamada 'peptideo de sinalização agouti' (ASP de 'Agouti Signaling Peptide') formado por de cerca de 131 aminoácidos, apesar de existirem diversos produtos distintos que surgem por processamento alternativo do RNA mensageiro formado a partir da sequência deste gene. O ASP está envolvido com o controle das quantidades relativas de eumelanina (o pigmento de cor marrom-preto) e feomelanina (pigmento de coloração amarelo-vermelho) expressas nos folículos pilosos dos mamíferos. Este peptídeo inibe a produção eumelanina induzida pelo α-MSH, resultando em uma faixa subterminal de feomelanina frequentemente visível na pele dos mamíferos, aparentemente, por que, ao ligar-se nos receptores de melanocortina, este peptídeo age como um agonista inverso o ligante α-MSH.
Apenas com base nesta informação poderíamos concluir que, como é um único gene que controla as mudanças de fenótipo existentes entre as duas formas de camundingos, o fenótipo teria evoluído em uma único passo ou no máximo bem poucos. Mas para nossa felicidade, as pesquisadoras não pararam por aí e foram adiante.
De fato, a um exame mais detalhado, é possível perceber que a coloração clara não é uma única característica homogênea, mas, na realidade, é o produto de várias características distintas, como a coloração do dorso, a coloração do ventre, uma elevação da região fronteiriça entre ambas as partes e, por fim, da pigmentação da faixa caudal, como pode ser visto na figura abaixo e a esquerda, onde estão destacados os animais claros das colinas arenosas e os tipos selvagens de pelagem escura [2].
São estes vários caracteres separados que dão origem ao padrão de cobertura pilosa críptica dos animais que vivem nesta região em Nebraska. Todos eles associados a mudanças no locus agouti, como mostram estudos em animais criados em laboratório [2]. Mas não foi o simples fato deste gene estar envolvido com as mudanças de coloração que mais surpreenderam Linnen, Hoekstra e sua equipe de cientistas. O que realmente chamou a atenção dos pesquisadores foi que cada uma das nove mutações estavam associadas a uma mudança única na pelagem dos animais desta espécie e que todas as novas mutações levaram a melhor coloração de camuflagem; e, além disso, com essas mutações tendo ocorrido em um período relativamente curto, isto é, cerca de 8.000 anos [1, 2].
"Basicamente, parece que estas mutações - cada qual faz o camundongo um pouco mais claro e mais camuflado - acumularam-se ao longo do tempo", disse Hoekstra.
Porém, estes dados ainda não eram suficientes para definir se essas mudanças eram todas causadas por alterações pleiotrópicas de grande efeito que influenciariam todas estas características ao mesmo tempo ou se teriam sido causadas por mudanças pequenas em porções diferentes deste mesmo locus que poderiam ter sido fixadas mais ou menos independentemente [2]. Mas antes de resolver esta questão era preciso confirmar que estes padrões de coloração eram realmente adaptativos, ou seja, se eles de fato conferiam vantangens em termos de sobrevivência aos seus portadores naquele ambiente.
Os autores do artigo utilizaram-se de massinha de modelar, para criar modelos dos animais em cores claras e escuras, como forma de testar a hipótese de que essa pelagem clara era realmente uma adaptação para a ocultação, medimos as taxas de ataque aos modelos dois tipos de modelos (veja a figura abaixo) quando estes eram colocados sobre múltiplos locais nas Sand hills. Com este experimento ficou claro que os modelos com coloração escura, que destacavam-se sobre as superfícies arenosas claras, eram atacados significativamente mais frequentemente do que os modelos com colorações claras, crípticas (P <0,05). Estes resultados somam-se aos de experimentos anteriores em que foram empregadas aves e camundongos vivos, e em conjunto sugerem fortemente que as colorações claras da variedade de camundongos das Sandhills são realmente uma adaptação recente que, pelo menos em parte, se deveu a pressão ecológica por predadores visualmente orientados.
A equipe de cientistas, então, coletou dados de variação fenotípica (cor e padrão de coloração) e genotípica de 91 camundongos silvestres que foram capturados de uma população diversificada fenotipicamente localizada perto da borda das Sand hills. Eles mediram três características de coloração que foram extraídas a partir de uma 'análise de componentes principais' (PCA) - uma estratégia de análise multivariada que pode revelar padrões subjacentes aos dados a partir de combinações de múltiplas medidas por técnica de álgebra linear- dos dados espectrofotométricos (tonalidade dorsal, brilho dorsal e coloração ventral), além de duas características associadas ao padrão de coloração (fonteira dorso-ventral e listras caudais). Os resultados mostraram que os fenótipos nesta população selvagem eram amplamente independentes, mostrando correlações estatísticas muito baixas (com os R2 variando de 0,04 a 0,27), o que é reforçado pelo fato de vários pares de características não terem qualquer correlação significativa, mesmo com um grande tamanho amostral. Portanto, os dados sugerem que estas características de pigmentação estão sendo controladas de maneira independente.
Usando estratégias de enriquecimento direcionadas e técnicas de sequenciamento de última geração, os pesquisadores puderam gerar dados de polimorfismo para cerca de 2100 regiões não ligadas com 1,5 mil pares de base em de extensão de uma região de 185-kbp dentro do locus Agouti que incluía as regiões codificadoras de proteínas, bem como todos os elementos conhecidos reguladores do gene (Fig. 2B).
O próximo passo foi identificar as ligações entre estes genótipos associados ao locus agouti e os diversos fenótipos. Para este trabalho, os cientistas usaram tanto regressões lineares dos SNPs (polimorfismos de nucleotídeo único) e uma abordagem bayesiana envolvendo múltiplos SNPs que revelaram que cada uma das cinco características fenotípicas analisadas, e que em conjunto conferem a aparência clara críptica aos animais, estavam estatisticamente associadas com um único conjunto de SNPs (isto é, variantes genéticas especpificas) que, ao todo, explicavam de 16 a 53% da variação de cor e padrão de coloração, com apenas uma das variante (uma deleção no exon 2 que levava a perda de um aminoácido serina (DSer) na proteína codificada pelo locus) que estava tanto associada com coloração ventral (P = 8,5 × 10-5) e com a franja caudal (P = 5,4 × 10-6) [2].
Os resultados destas análises indicam que múltiplos mecanismos moleculares são responsáveis pelas mudanças de cor e dos padrões de coloração nos animais das Sand hills, incluindo mudanças nas regiões codificadoras do genes, como nas regiões não codificadoras, cis-regulatórias, que controlam sua expressão. De posse destas informações, os cientistas passaram a investigar se essas diversas mudanças no locus Agouti, que contribuem para o revestimento de cor clara, haviam sido submetidas a seleção natural positiva deixando assinaturas específicas no padrão de polimorfismos de SNPs.
A equipe de Linnen e Hoekstra valeu-se de duas estratégias para identificar assinaturas moleculares da seleção natural positiva. Primeiramente, usaram o programa dadi para produzir um modelo demográfico da população de camundongos da região e estimar seus parâmetros. Os resultados iniciais desta estratégia forneceram evidências que sugerem que a população destes animais deve ter experimentado uma drástica redução de seu contingente, um gargalo de garrafa no jargão dos geneticistas de populações, mais ou menos, há uns 2900 anos. Este gargalo teria levado a redução da população para 0,4% do seu tamanho original, diminuição que foi seguida por uma recuperação exponencial que fez com que a população chegasse até cerca de 65% do seu tamanho original [2].
A segunda estratégia envolveu o uso da ferramenta sweepfinder, idealizada por Ramus Nielsen e colaboradores [3] e que tem por objetivo detectar as chamadas 'varridas seletivas' ('selective sweeps') a partir de dados genômicos de SNPs por um método que utiliza a verossimilhança composta. Este procedimento, segundo seus criadores [3], possui um alto poder para identificar estas 'varridas seletivas', sendo bastante robusto com relação as suposições sobre as taxas de recombinação e variações nos parâmetros demográficos, tendo uma baixa incidência de erros estatísticos do tipo I. Esta estratégia também fornece estimativas da localização das varridas seletivas, isto é de onde encontram-se os alelos selecionados, e da magnitude do coeficiente de seleção envolvido no processo, ou seja, a intensidade da seleção [3].
A ideia por trás de desta estratégia é que quando alelos estão sob seleção positiva em virtude de seu efeito sobre a sobrevivência e o sucesso reprodutivo dos organismos, e aumentam de prevalência na população, estes alelos deixam assinaturas distintas, ou padrões, de variação genética nas sequências de DNA a sua volta [4]. As chamadas 'varridas seletivas' ocorrem quando uma nova mutação, devido ao seu efeito benéfico sobre os indivíduos que as portam, sobe muito rapidamente de frequência em uma população, arrastando com sigo também vários polimorfismos neutros ou quase neutros que estão em regiões muito próximas no mesmo cromossomo do alelo vantajoso que por causa disso recombinm-se com menos frequêcia. Na figura abaixo (retirada de 4) podemos ver um esquema de como este evento de seleção modifica o padrão de alelos ancestrais em uma população, reduzindo assim a variação em vários loci próximos ao do alelo selecionado [Os alelos ancestrais são mostrados em cinza e os alelos derivados (não-ancestrais) são mostrados em azul.], quando um novo alelo positivamente selecionado (em vermelho) aumentando até uma frequência elevada, carregando de 'carona' um conjunto de outros alelos também a elevada frequência, criando esta "varrida seletiva [4].
Então, empregando o modelo demográfico obtido com o daddi e a abordagem de detecção da seleção positiva implementada pelo Sweepfinder, os pesquisadores avaliaram os padrões de seleção tanto no conjunto total de dados, ou seja, todos os 91 indivíduos amostrados, como em 10 conjuntos de dados polarizados, isto é, em que haplótipos associados a colorações claras e escuras foram definidos pelo genótipo nos SNPs candidatos de interesse [4]. A partir desta abordagem foram identificadas duas regiões para as quais haviam evidências de seleção positiva, mas atuando em todos os camundongos amostrados independentemente da cor da pelagem (Fig. 3A). Porém, ao compararem com conjuntos dos dados polarizados, os pesquisadores encontraram picos significativos de verossimilhança agrupando-se em torno da localização dos SNPs 'polarizadores', o que é consistente com a seleção natural recente agindo sobre, ou muito próximo, estes SNPS correlacionados a variação da coloração [4].
Para cada uma das mutações associadas com a mudança da coloração, encontramos também um sinal de que ela era consistente com a seleção positiva", disse Hoekstra.
Além disso, para cada SNP candidato foi observado que quanto mais forte era o seu efeito sobre o fenótipo de cor, mais forte era a estimativa da força da seleção, o que sugere que estas mutações provavelmente tinham um mínimo de consequências pleiotrópicas. Estes resultados, quando combinados com os resultados do experimento com os modelos de massinha, os dados mostrando a extensiva recombinação em toda esta região, bem como com os estudos de mapeamento de associação, apoiam um cenário em que múltiplas mutações, independentes, no locus Agouti - cada uma delas contribuindo para uma característica distinta da cor ou padrão de coloração dos animais que estavam associada com os fenótipos mais claros - foram selecionadas por causa de seu efeito na coloração críptica nos animais vivendo nas Sand hills de Nebraska [2]:
"O que implica que cada uma das alterações específicas para a pigmentação é benéfica. Isto é consistente com a história que estamos contando, sobre como essas mutações estão a afinar essa característica." [1], complementou a cientista.
Embora os resultados ofereçam insights valiosos sobre a maneira com a seleção natural opera, Hoekstra ressaltou, que é extremamente importante continuar as investigações até o fim [1]. Por exemplo, o que teria ocorrido se o grupo de cientistas tivesse se dado por satisfeito ao indentificar o gene agouti como o único responsável pelas mudanças fenotípicas e não ido mais fundo e avaliado o papel de mutações individuais nas diversas características que dão origem ao fenótipo críptico?
"A questão sempre foi se a evolução é dominado por estes saltos grandes ou pequenos passos" [1], disse ela. "Quando implicamos pela primeira vez o gene agouti, poderíamos ter parado por ali, e concluído que a evolução dá esses grandes passos já que apenas um gene principal está envolvido, mas teria sido errado. Quando nós olhamos mais de perto, dentro deste gene, descobrimos que mesmo dentro desse único locus, há, de fato, muitos pequenos passos." [1], completou.
Os autores concluem que, de acordo com seus resultados, cada característica ligada a coloração (por exemplo, cor dorsal, listras da cauda etc) afeta a aptidão dos indivíduos de maneira independente. Isso é possivel por que um único de grande efeito fenotípico pode ter seus componentes fracionados em muitas pequenos efeitos contribuintes para o efeito total, cada um associado a diferentes mutações que podem modulá-los e ajustá-los mais finamente. Outro ponto importante é que apesar do locus Agouti ter vários efeitos sobre pigmentação e mesmo, em outros modelos, efeitos pleiotrópicos e que afetam a aptidão em diversos outros fenótipos além da coloração, isso não é observado de maneira tão dramática ao nível mutacional, o que leva os autores a declararem em sua conclusão [2]:
Além disso, embora o gene Agouti tenha vastos efeitos sobre a pigmentação, efeitos pleiotrópicos mensuráveis estão ausentes no nível mutacional, o que serve como um lembrete de que, embora seja comum discutir o grau de pleiotropia de genes individuais, são as mutações individuais, e não genes, que trazem uma população mais perto para do seu ótimo fenotípico. [1]
Os planos de Hoekstra são de ir ainda além, já que sua equipe pretende desvendar a ordem em que as mutações aconteceram, o que lhes permitiria reconstruir como os camundongos alteraram-se ao longo do tempo:
"Para os biólogos evolutivos, isso é excitante porque nós queremos aprender sobre o passado, mas só temos os dados do presente para estudá-lo", [1] disse a pesquisadora e em seguida afirmou: "Esta capacidade de voltar no tempo e reconstruir um caminho evolutivo é muito emocionante, e acho que este conjunto de dados é especialmente adequado para este tipo de viagem no tempo." [1]
Hoekstra explica que empregar tempo, não só para compreender que genes estão envolvidos, mas para determinar quais mutações específicas podem estar sendo selecionadas por estarem por trás das mudanças adaptativas, dá aos pesquisadores uma imagem muito mais completa, não só dos mecanismos moleculares pelos quais as mutações alteram características fenotípicas, mas também da história evolutiva de um organismo [1].
"Ao fazermos isso, nós descobrimos todos os tipos de coisas novas", disse Hoekstra. "Embora muitas vezes nós pensamos nas mudanças que acontecem em todo o genoma, os nossos resultados sugerem que, mesmo dentro de uma unidade muito básica - o gene - podemos ver evidências de ajuste fino evolutivo" [1].
Como argumentam os cientistas, o exemplo da evolução fenotípica do camundongos veadeiros das Sand hills, oferece uma rota evolutiva em que pequenas mutações (com efeitos pleiotrópicos mínimos, podendo mesmo ocorrem dentro de um único gene) podem conduzir a evolução adaptativa rápida em vários traços fenotípicos bem associados.
Embora a generalidade deste exemplo ainda precisa ser averiguada, a bela história que estes experimentos e análises nos contam mostram claramente como a evolução adaptaiva pode acontecer sem grandes transtornos e envolvendo várias características que se combinam para gerar um novo fenótipo completo.
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*Aqui quero enfatizar que ao falarmos em 'mudanças grandes' os cientistas não estão se referindo necessariamente as 'macromutações' em sentido tradicional como as propostas por Goldshmidt (e outros 'saltacionistas'), mas simples mutações com efeitos fenotípicos mais evidentes e amplos, como a mudança de todo o padrão de coloração.
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Referências:
Reuell, Peter [Harvard Staff Writer] One gene, many mutations Harvard Gazette, Thursday, March 14, 2013.
Linnen, C., Poh, Y., Peterson, B., Barrett, R., Larson, J., Jensen, J., & Hoekstra, H. (2013). Adaptive Evolution of Multiple Traits Through Multiple Mutations at a Single Gene Science, 339 (6125), 1312-1316 DOI: 10.1126/science.1233213[pdf]
Nielsen, R. (2005). Genomic scans for selective sweeps using SNP data Genome Research, 15 (11), 1566-1575 DOI: 10.1101/gr.4252305 [pdf]
Schaffner, S. & Sabeti, P. (2008) Evolutionary adaptation in the human lineage. Nature Education 1(1)
Créditos das figuras:
Crédito da foto de Hoekstra: Bear Cieri [1]
As demais figuras foram retiradas do artigo [2] e das páginas do laboratório de Hopi Hoekstra e da página pessoal de Catherine Linnen.