Velhos ossos [re]descobertos em novos embriões
A evolução não é uma marcha inexorável em direção ao aumento de complexidade e muito menos é passível de ser conceituada como um processo que leva sempre ao progresso, em nenhum sentido realmente substantivo da palavra. Na realidade, é marca por ‘idas’ e ‘vindas’, por ganhos e perdas, com algumas perdas essenciais para que se consiga outros ganhos [Veja por exemplo o nosso post “Perdendo para ganhar?”], mas que só ficam claras quando olhamos em retrospecto e nos esquecemos da natureza contingente do processo de evolução em si.
Um exemplo claro disso é o crânio dos mamíferos, o que inclui o nosso, com seus cerca de 20 ossos que é bem menos complexo neste sentido do que o dos répteis, peixes e aves que em geral têm muito mais ossos. Isso ocorre por que nossa evolução i.e. a dos mamíferos, a partir de vertebrados tetrápodes amniotas semelhantes aos répteis que existiam por volta de 320 milhões de anos atrás, envolveu a simplificação do crânio através da perda e fusão de ossos [2] que passaram a dar origem a outras estruturas, como as do ouvido interno. Portanto, perdemos e simplificamos para podermos ganhar novas capacidades, deixando qualquer proposta de quantificação da complexidade anatômica meio sem sentido, já que parecem existir vários tipos de complexidade, com algumas podendo aumentar em função da diminuição de outras.
Porém, novas análises dos crânios embrionários de mamíferos sugerem que, pelo jeito, esta diminuição foi um pouco menor que pensávamos até bem pouco tempo atrás. O pior é que esta perda não era total e complicava um pouco as análises filogenéticas e o estudo da evolução dos elementos cranianos em nós mamíferos, pois o osso em questão, o interparietal, um dos ossos que forma a calota craniana, parecia ter sobrevivido em algumas linhagens, como em nós, seres humanos, além da dos carnívoros e nos ungulados, especialmente nos cavalos, mas sumido em todas as outras linhagens de mamíferos [1,2].
Agora, um cientista da Universidade de Tübingen e outros pesquisadores da Universidade de Zurique, em um trabalho cujo primeiro autor é o pós-doutorando Daisuke Koyabu, conseguiram detectar a presença do interparietal em outros mamíferos, ao comparar os fósseis e as imagens computadorizadas dos crânios dos embriões de mais de 300 espécies de vertebrados, encontrando o osso em questão em todos as ordens viventes de mamíferos.
Os pesquisadores empregaram um método de micro-tomografia computadoriza não-invasiva e analisaram os embriões de diferentes espécies raras disponíveis nas coleções de vários museus.
“O interparietal era claramente discernível em espécimens em estágio embrionário, já que os ossos do crânio estavam menos fortemente fundidos aqui”[1],
explicou Marcelo Sánchez, da Universidade de Zurique, líder do trabalho. Isso, aliás, explica o fato de gerações de investigadores anteriores não terem reconhecido o osso em outros mamíferos.

Porém, além de resolver este mistério, encontrando o osso desaparecido, os autores trouxeram evidências que desafiam a perspectiva até o momento mais aceita que considerava o interparietal como composto de dois elementos que seriam homólogos aos ossos pós-parietais de amniotas basais, isto é, aqueles com características mais primitivas, no sentido, de mais ancestrais. Visão esta que, por sinal, levou a proposta que os ossos tabulares teriam sido perdidos durante a radiação adaptativa dos mamíferos modernos.

Os pesquisadores, porém, afirmam que os seus resultados, publicados no dia 13 de agosto através de artigo na revista PNAS, demonstrariam que o interparietal consistiria não de dois, mas sim de quatro elementos. A partir daí os autores do artigo propuseram que os ossos tabulares dos amniotas basais seriam na realidade até hoje conservados na forma dos elementos interparietais laterais, que se fundem rapidamente aos elementos mediais ainda na fase embrionária, e que os pós-parietais seriam homólogas aos elementos mediais [2].

Este trabalho ajuda portanto a esclarecer uma antiga dúvida e propõem um olhar diferentes sobre a evolução dos elementos cranianos dos mamíferos e mostrando o quão excitante são a biologia evolutiva e a moderna paleobiologia, com descobertas a serem feitas que estavam debaixo de nossos narizes mas que não tínhamos o refinamento tecnológico para percebê-las.
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Literatura citada e recomendada:
University of Zurich (2012, August 14). Old skull bone rediscovered,News release, August 14, 2012
Koyabu, D., Maier, W., Sanchez-Villagra, M. R. Paleontological and developmental evidence resolve the homology and dual embryonic origin of a mammalian skull bone, the interparietal. Proceedings of the National Academy of Sciences, 2012; DOI: 10.1073/pnas.1208693109
Créditos das Figuras:
Figura 1: O interparietal (os interparietale) e ossos tabulares em diferentes.mamíferos O complexo interparietal-tabular é marcado em verde claro (o “tabular” corresponde ao par de ossos lateral) (Foto: Uzh)
Figura 2: Evolução do interparietal e do osso tabular em vértebrados terrestres primitivos, ancestrais dos mamíferos semelhantes aos répteis e seres humanos. O osso em cor azul é o interparietal, em rosa está mostrado o osso tabular. (Foto: Uzh)
Figure 3: Origens teciduais do complexo interparietal de camundongos. O complexo interparietal tem duas origens: A proporção medial é derivada a partir da crista neural e a parte lateral da mesoderme. A origem tecidual dupla do interparietal pode ser rastreada até a fusão evolutiva do interparietal medial ao osso tabular em linhagens de mamíferos. (Foto: Uzh)