Ver ou não ver? Eis a questão do fanerozóico?
Somos animais visuais e tomamos nossa capacidade de formar imagens (e nos guiar por elas) como fundamental e consideramos os olhos uma das grandes maravilhas biológicas. O problema é que esta justa admiração infelizmente leva muitas pessoas, que não compreendem ou não querem compreender o proceso de evolução biológica, negando-o de antemão, a ver a visão e a origem dos olhos como grandes obstáculos às explicações evolutivas e, portanto, incompatíveis com uma perspectiva de compreensão naturalística através das ciências. Esta percepção distorcida entretanto é facilmente desmentida pela própria constatação da diversidade dos olhos entre os animais e mesmo da existência de sistemas de detecção de luz mesmo em vários microrganismos unicelulares.
Como percebeu Darwin [veja o capítulo 6 do seu "Origem das espécies"], os diversos tipos de olhos das espécies vivas - por exemplo em vários grupos de animais como os moluscos - nos fornecem um modelo rudimentar de como a evolução pode ter originado tais estruturas a partir de sistemas muito simples que teriam sido incrementalmente modificados atẽ os mais complexos olhos com cameras e lentes ou os olhos compostos dos insetos, passando por várias etapas intermediárias, todas representadas em organismos viventes. Na figura a esquerda [wikicommons; Autor: Remember the dot] podem ser observados alguns desses tipos de olhos que ilustram a fases teorizadas como tendo dado origem aos tipos de olhos com camera exibidos pelos vertebrados e certos invertebrados, como os cefalópodes.
Mesmo que nos limitásemos apenas aos órgãos capazes de formar imagens, esta diversidade ainda sim é impressionante, ainda que existam certos padrões gerais através do quais podemos classificar os tipos de olhos. Na realidade, as evidências mostram que os olhos evoluíram de maneira mais ou menos independente, diversas vezes ao longo da história recente de nosso planeta, possivelmente a partir de um "kit de ferramentas genético-desenvolvimental" que envolvia genes como o famoso PAX-6, provavelmente compartilhado pelo ancestral animal bilateral mais antigo e que deveria estar ligado a manchas epiteliais inervadas sensíveis a luz*. Esta simples observação nos mostra que os olhos não devem ser tão difíceis de evoluírem assim e além disso devem trazer muitas vantagens aos seus possuidores, possivelmente abrindo novos nichos e oportunidades ecológicas. Assim o surgimento e evolução, em multiplas linhagens, de olhos de maneira independente estão profundamente entrelaçadas com a diversificação dos grupos animais que ocorreram a partir do cambriano.
A 'explosão cambriana' marca o ínicio da era atual, a Fanerozóica (que se segue a proterozóica), era em que a vida animal torna-se evidente e abundante no registro fóssil, abrangendo os últimos 542 milhões anos. Embora vários cenários que buscam dar conta desses eventos tenham sido propostos - e que podem ser grosseiramente divididos entre os que estipulam causas internas e externas - ainda tenhamos muitas dúvidas sobre os detalhes dos processos e mecanismos envolvidos**.
Felizmente, o registro fóssil é muito mais do que uma fonte apenas para estudos das mudanças dos padrões qualitativos das biotas e para a investigação das transições evolutivas. Graças a compilação de uma miríade de dados quantitaivos e sua disponibilização em bancos de dados como Paleobiology Database - em que estão depositadas ocorrências de táxons de animais marinhos e terrestres e plantas de várias eras ou períodos geológicos, assim como softwares online para análise estatística desses dados - é possível testar certas hipóteses sobre o que teria causado esses e outros eventos.
Entre as questões que podem ser investigadas através desse bancos de dados de ocorrências fósseis estão as relacionadas a quais características biológicas teriam promovido o sucesso evolutivo e como estes fatores relacionam-se com a dinâmica ecológica e com a biodiversidade especialmente em resposta à mudanças globais.
Entre essas hipóteses, o papel adaptativo da visão, e portanto dos olhos formadores de imagem, pode ser avaliado ao compararmos os padrões de diversificação, sobrevivẽncia e extinção de linhagens com e sem olhos, bem como daquelas com níveis intermediários em suas capacidade visuais de acordo com o que poderia ser inferido pelos fósseis de maneira direta ou indireta ou a partir da comparação com espécies

remanescentes visuais de alguns dos grupos fósseis investigados que pudessem através de análise filogenética serem razoavelmente assumidos como também possuidores de visão***.
Martin Aberhan, Sabine Nürnberg e Wolfgang Kiessling na Universidade Humboldt, em Berlim, na Alemanha, fizeram exatamente isso e testaram a hipótese de que olhos formadores de imagem teriam contribuído para a diversificação de grupos taxonômicos no passado geológico (Paleobiology 38(2):187-204. 2012 doi: http://dx.doi.org/10.1666/10066.1). O estudo foi conduzido com base nas ocorrências fósseis de mais de 17.000 gêneros de invertebrados marinhos do fanerozóicos contidos no Paleobiology Database, uma grande base de dados cujo objetivo é fornecer a dados das ocorrências de táxons de animais marinhos e terrestres e plantas de qualquer era ou período geológico, assim como software online para análise estatística desses dados.
O grupos de invertebrados marinhos usados nos estudo englobaram macroinvertebrados epibenticos, nectônicos e planctônicos de modo que as comparações e análises fossem ecologicamente coerentes, portanto, concentrando-se apenas em grupos não-infaunais, já que as linhagens pertencentes a infauna, que vivem nos sedimentos, não tem uma papel destacado para a visão. As linhagens analisadas usavam a visão basicamente para orientar-se no espaço, navegar em seu ambiente, evitando predadores e localizando alimento e eventualmente parceiros. Por causa desses papéis ecológicos, como já havia aludido, a visão pode muito bem ser uma força motriz para evolução promovendo através de pressões de seleção a diversificação dos táxons com olhos.
Esta questão insere-se em um quadro paleobiológico mais amplo que diz respeito ao nível em que a diversificação dos organismos é controlada por características biológicas como inovações evolutivas importantes. Os olhos são portanto um dos principais candidatos a uma dessas característica biológicas chave que através de mecanismos ecológicos, orientados pela aquisição dessa característica especial (como entrada em uma nova zona adaptativa e aumento da competitividade) poderiam levar a radições adaptativas. Neste último caso, a competividade conferida pela capacidade de formar imagens e orientar-se através delas em um meio ambiente cada vez mais complexo pode ter deflagrado uma espécie de 'corrida armamentista evolutiva'. Isso ocorreria por que a visão poderia em um momento inicial facilitar a predação e portanto funcionaria como pressão para a evolução de estratégias de evasão, incluindo as que dependessem de visão elaborada por parte das presas que, por sua vez, funcioanariam como pressão para os predadores, mais uma vez favorecendo indivíduos e taxons capazes de ver com maior acuidade, por exemplo**.
Apesar da atração inicial desta hipótese, existem algumas questões relevantes que precisam ser mantidas em mente quando esta ideia é testada. Primeiro, a visão em si pode não ser o fator per se responsável pelo sucesso ecológico e portanto pela diversificação dos taxons, mas sim alguma característica intimamente associada a ela e mesmo conferida por ela, como a habilidade de navegar em certos ambientes. Isso é importante pois existem linhagens cujos representantes podem ter perdido a habilidade de locomover-se de maneira dinâmica e mesmo assim manterem a visão, portanto, potencialmente podendo confundir as análises.
Além disso, existe a possibilidade da aquisição da capacidade de formar imagens não promover a diversificação. Isso poderia ocorrer por causa das demandas metabólicas associadas aos órgãos da visão e a necessidade de reordenação dos sistemas neurais responsáveis pela integração dos estimulos visuais, sem mencionar que estes sistemas visuais poderiam também depender do desvio de recursos de outras áreas, como os associados a reprodução e crescimento. Esta situação poderia assim exigir certos 'trade offs' (soluções de compromisso) onde recursos associados a outros sistemas sensoriais (no caso dos invertebrados marinhos basicamente quimiosensitivos) precisariam ser alocados para a visão e seu processamento. Talvez por causa disso os custos associados a evolução de olhos fossem muito altos e apenas em circunstâncias ecológicas muito específicas é que a visão poderia se estabelecer como realmente vantajosa. Isso poderia portanto compensar as vantagens conferidas pela posse de sistemas formadores de imagem ao longo do tempo. Por exemplo, em estudo anteriores De Queiroz citado no artigo da revista Paleobiology pelos autores do estudo comparou várias espécies atuais possuidoras de visão com seus grupos irmãos (espécies bem aparentadas) mais que não eram capazes de ver e não encontrou nenhuma correlação positiva entre a posse de olhos formadores de imagem e a riquesa de espécies.
Os autores do estudo também investigaram uma outra hipótese relacionada a visão, conhecida como a 'hipótese da turbidez' que afirma que a diversificação da fauna com visão seria favorecida em ambientes de águas mais claras comparado aos em que a água fosse mais turva. De acordo com Marcotte que propôs esta hipotése em 1999, durante o fanerozóico os níveis mínimos de turbidez das águas teriam sido ocasionados pela diminuição do aporte de sedimentos descarregados nos mares, período em que os taxons capazes de ver teriam sido favorecidos e se diversificado; enquanto que nos períodos de turbidez máxima, os clados que não se orientavam visualmente e as estratégias de evasão de predação teriam sido as mais favorecidas.
Os 17000 gêneros que foram triados das mais de 300000 ocorrências depositadas da base de dados foram classificados de acordo com suas capacidades visuais, sendo separados em três grupos:
1) Cegos ou com visão muito fracamente desenvolvida (por exemplo, aqueles invertebrados que só possuiam fototaxia, ou seja, atraídos pela luz);
2) Capacidades visuais limitadas (por exemplo, aqueles animais capazes de perceber variações de sombra e detectar objetos);
3) Com visão bem desenvolvida (por exemplo, aqueles animais que possuiam efetivamente olhos formadores de imagem e visão estereoscopica).
Mais especificamente, foram avaliadas a diversidade proporcional, as taxas de originação dos grupos taxonômicos e as taxas de extinção das linhagens com visão versus as sem visão. A diversidade proporcional foi escolhida ao invés da absoluta para minimizar artefatos, pois esta seria mais adequada às comparações dentro de táxons e mais indicada para revelar quando uma linhagem diversificou-se mais do que outra que também pode ter se diversificado no mesmo período.
Para o cálculo da diversidade foram somados o número de gêneros que conjuntamente cruzam a fronteira inicial de um intervalo com aqueles que se originam neste mesmo intervalo e persistem até o intervalo de tempo seguinte. Os intervalos de tempo eram de 11 milhões de anos, totalizando 49 intervalos em todo o fanerozoico, seguindo o mesmo padrão usado em estudos anteriores. A diversidade proporcional de gêneros dos principais grupos de macroinvertebrados não pertencentes a infauna marinha pode ser visualizada na figura ao lado (correspondente a figura 1 do artigo).
Na figura estão marcadas por linhas tracejadas verticais as posições das tradicionais 'Cinco Grandes Extinções' em massa como descrito por Raup e Sepkoski em 1982. [Cm, Cambriano, ó, Ordoviciano, S, Siluriano; D, Devoniano; C, Carbonífero; P, Permiano, Tr, Triássico; J, Jurassico; K, Cretáceo; Pg, Paleógeno; N, Neógeno.]
Para o trabalho também foram calculadas as taxas de originação e extinção por intervalo de tempo, seguindo o que havia sido feito por Foote (também citado no artigo), mas sem a padronização para a duração dos intervalos de tempo. Já para avaliar a hipótese da turbidez de Marcotte de maneira quantitativa, os três pesquisadores contrastaram a diversidade de gêneros daqueles que tinham preferência por ambientes carbonatados com a diversidade daqueles que tinham maior afinidade por ambientes siliciclásticos. Os ambientes carbonatados como tendem a ter menos partículas em suspensão foram usados como potenciais indicadores de baixa turbidade, em contraste, com os ambientes siliclástico que costumam ter bem mais partículas em suspensão e por isso foram usados como indicadores de alta turbidez.
Para certificarem-se da completude da amostra e minimizar artefatos de amostragem, os autores do trabalho aplicaram alguns métodos específicos. Na tabela ao lado podem ser vistas duas métricas diferentes de completude estratigráfica que indicam que o registro fóssil tanto dos gêneros do fanerozóico de invertebrados com e sem visão eram igualmente completos.
Os autores avaliaram a existência de tendências dentro de linhagens específicas, envolvendo gêneros com e sem visão, através de testes de correlação simples, usando o Rho de Spearman, restringindo as avaliações aos intervalos de tempo durante os quais existiam organismos com ambas as características visuais (com e sem visão). Já a existência de diferenças quantitativas significantes entre as taxas de diversificação foram identificadas usando-se o Critério de Informação de Akaike (Akaike’s Information Criterion, AIC) e através da comparação como modelos de taxa única e modelos de taxas duplas, selecionando os modelos caso eles de acordo com o AIC tivessem um peso Akaike maior que 0,89, como estipulado em estudos anteriores.
Este critério funciona como uma medida do 'grau de ajuste' ('goodness of fit') de um modelo estatístico aos dados - ou seja, serve como um sumário das discrepâncias entre valores observados e os esperados dado um modelo em particular - tendo sido desenvolvido por Hirotsugu Akaike na década de 70, baseando-se no conceito de entropia da informação. O AIC é uma medida relativa da perda de informação quando um determinado modelo é usado para descrever a realidade, mantendo em equilibrio a precisão e a complexidade do modelo. Esse critério acaba por fornecer um método de escolha e seleção de modelos, sendo uma ferramenta indicada para avaliar o ajuste relativo entre vários modelos, uma vez que não é um teste convencional em que o modelo é comparado a um modelo/hipótese nula, por exemplo.
A princípio as análises, levando-se em conta a matriz total de dados, mostraram que os gêneros de invertebrados marinhos com visão eram menos diversos do que os gêneros cegos durante o fanerozoico, como mostra a figura abaixo (a figura 2 do artigo), com a diversidade proporcional dos gêneros com visão tendo ocorrido no cambriando médio durando até o Ordoviciano médio e permanecedno bem baixa após o ordoviciano. Este nítido aumento dos taxons com visão durante o Cambriano reflete basicamente a ascenção dos trilobitas que substituíriam a chamada fauna conchosa que marca o começo da explosão cambriana e para a qual não há quaisquer evidências de que estes animais primitivos possuissem olhos.
Assim, apesar do pico na diversificação dos grupos com olhos - encabeçado pelos trilobitas, que pôde ser constatado a partir da análise do conjunto completo de dados -, os trilobitas com capacidades visuais, como um todo, tenderam a declinar proporcionalmente em diversidade ao longo do tempo, apesar de alguns grupos de trilobitas terem feito parte da radiação que ocorreria no Ordoviciano. Esse pico na diversidade proporcional dos gêneros com visão, no início do fanerozóico, que foi seguido pela dimunição e estabilização da diversidade destas linhagens e sua manutenção em níveis relativamente baixos após o Ordoviciano, não corrobora a hipótese testada, pelo menos em sua versão mais forte, isto é, a de que os olhos trariam vantagens tão grandes para os animais que induziriam o aumentos na proporção das linhagens de animais com esta características, de modo que este padrão pudesse ser percebido em todos grupos analisados simultaneamente.
Dois seriam os fatores que poderiam ser responsáveis por este padrão que produziu um pico nos genêros com visão no começo do paleozóico, seguido de queda e estabilização a níveis mais baixos após o ordoviciano. O primeiro fator estaria associado com a explosão cambriana e seus ecos que persistiriam em períodos subsequentes. Neste primeiro caso, o surgimento de predadores macroscópicos e o aumento dos tamanhos corporais dos organismos vivos que ocorreram durante o cambriano teriam propelido (e se combinado com) as mudanças no padrão dos substratos, que passaram dos tapetes microbianos ('matgrounds'), mais homogêneos do proteorozoíco, para o padrão mais complexo ('mixgrounds') do fanerozóico provacado por bioturbação – isto é, derivados da atividade biologica, provavelmente, de animais que escavam, remexiam e viviam em tocas e tubos do solo, movimentando e misturando os sedimentos, passando a perturbar os tapetes microbianos originais - teriam aumentado a complexidade desses ecossistemas, favorecendo organismos que pudessem categorizar estes multiplos estímulos e integrar melhor as informações associadas a estes estímulos.
O esquema acima foi retirado de Elodie Vernhet (2005) - da página 26 do capítulo 1 do livro “Sedimentary Processes, Evolution, and Paleoenvironmental Reconstruction of the Southern Margin of the Ediacaran Yangtze Platform (Doushantou Formation, Central China)”, disponível aqui – e ilustra a chamada 'revolução do substrato', mostrando a transição dos tapetes de sedimentos ('matgrounds') do Ediacariano para os organismos com comportamentos complexos que misturavam ('mixgrounds') os sedimentos ao caçarem, alimentarem-se e esconderem-se, denotando a complexificação das relações ecológicas e dos comportamentos envolvidos.
Assim, alguns biólogos evolutivos acreditam que a grande relevância dos sistemas sensoriais, como os olhos, que, em um primeiro momento promoveram a rápida diversificação de certos grupos capazes de formar imagens, e se orientar através delas, tenha chegado a um platô, em termos da capacidade de sustentação dos ecossistemas e dos comportamentos assumidos por estes pioneiros, inibindo posteriormente a diversificação de outros grupos com olhos. Mas esta possibilidade é em parte desconfirmada pelo fato que após as grandes extinções (que deveriam ressetar este estado de saturação ecológica) não foram diagnosticadas tendências semelhantes as do ínicio do fanerozóico. Portanto, certamente, esta não parece ser a história toda.
A outra possibilidade pode ser ilustrada pelo fato de vários grupos de braquiópodes e corais, que jamais desenvolveram olhos larvais, terem mantido-se desta maneira durante todo o periodo, provavelmente, em função de sua forma de vida séssil, em que a percepçaõ visual não seria de grande vantagem. Isso ocorreria, como já havia sido aludido, por que a vantagem dos olhos estaria associada a mobilidade e portanto a capacidade que eles conferem de orientação em um contexto ambiental específico. Desta forma, como postulado por Nilsson, a seleção natural só favoreceria os olhos por causa de suas consequências ligadas aos comportamentos guiados pela visão. Por isso, apenas se estes sistemas sensoriais pudessem desencadear um tipo de comportamento específico, como evasão ou ataque, o que dependeria do modo de vida prévio do animal, é que poderiam aumentar o sucesso reprodutivo de seus portadores.
Em resumo, as pressoes de seleção favorecendo os animais com olhos teriam subido durante o Cambriano, alcançando ali seu auge, mas logo após teriam sido equilibradas por restrições comportamentais associadas ao barramento de nichos por espécies já bem sucedidas e pelas próprias características das linhagens que podiam aproveitar-se desta faculdade em função de sua mobilidade de seu modo de vida.
Além disso, o problema com as análises dos dados totais, em que de gêneros de diferentes grupos são reunidos em uma única amostra, é que dois táxons numericamente abundantes, cefalópodes e trilobites, acabam por enviesar o resultados, por causa das altas taxas evolutivas que passam a ser vistas como um padrão geral, obscurecendo as taxas de extinção acentuadamente mais baixas dos gêneros com visão em relação aos seus contemporâneos cegos de grupos próximos.
Assim, ao analisar os dados agrupados concentrando-se em subgrupos específicos de taxons mais amplos que contêm tanto gêneros normovisuais e como cegos, os resultados mostraram que os géneros com visão de trilobitas, de toda epifauna de bivalves, bivalves pectinoides, gastrópodes, e dos equinodermos diversificaram-se bem mais intensamente do que géneros cegos de grupos irmãos, incluisve quando controlando para as significativamente altas taxas de extinção sofridas pelos gêneros cegos durante esse período.
Na figura ao lado (correspondente a figura 3 do artigo) podemos observar a diversidade proporcional de gêneros com visão em trilobitas (A), em todos os bivalves epifaunais (B), nos bivalves pectinoides (C), nos gastópodes (D) e nos equinodermos (E). [Note a mudança de escala do eixo Y na figira D e as abreviações seguem as da figura 1] Particularmente interessante é que os gêneros, por exemplo, de trilobites cegos - que eram relativamente diversificados no início de sua história, no Cambriano e Ordoviciano - sofreram grandes baixas em termos da diversidade proporcional, durante o Siluriano e Devoniano, com apenas gêneros de Trilobites com olhos sendo registrados no Paleozóico tardio até a extinção definitiva deste grupo no Permiano tardio.
Os bivalves com visão também mostram um padrão de aumento da diversidade global a partir da origem dos subgrupos destes animais com capacidades visuais por volta do Devoniano até o Neogeno, com os bivalves pectinoideanos sendo o grupo que mais contribui para este padrão e cujas famílias e subfamílias que formam esse grupo tendo sido equipadas com olhos paliais. E ainda mais notadamente, ao comparar-se os representantes dessa superfamília com os representantes da ordem Pectinida que são estreitamente relacionados, mas cegos, fica claro um aumento distintivo de longo prazo às custas dos géneros sem olhos desenvolvidos. Padrões semelhante são encontrados em outros grupos, como nos gástropodes com visão que desde o jurássico, mesmo que sejam mais sutís, especialmente por causa do sucesso da família Strombidae que possuem olhos do tipo câmera formadores de imagem. Algo semelhante também pode ser observado em reçação aos equinodermos durante o fanerozoico que se diversificaram mais do que seus parentes próximos cegos, durante o mesmo período. Portanto, a análise dos cinco subconjuntos de clados corroboram a hipótese que a diversificação nesses grupos de invertebrados marinhos ocorreu preferencialmente em gêneros que eram capazes de ver.
Estranhamente a diversidade proporcional de gêneros com visão é em média maior para os taxons que ocorriam em ambientes siliclásticos (associados a maior turbidez da água) em oposição aos encontrados em ambientes carbonatados que provavelmente eram menos turvos, portanto, gerando um padrão oposto ao esperado caso a hipótese de turbidez esivesse correta, em sua formulação original. Infelizmente os cientistas responsáveis pelo estudo nãopuderam investigar mais a fundo a questão por que a amostra disponível não permitiu uma análise clado-específica de gêneros com e sem visão de acordo com o ambiente, como a que foi feita em relação aos padrões de diversidade dos subgrupos.
Estes resultados (mesmo tendo certas limitações), especialmente os oriundos da segunda análise mais refinada, apoiam a hipótese de que uma boa visão foi uma das características chave que promoveu a diversificação preferencial durante o período investigado. Assim, mais estudos como este e mais e melhores dados vão aos poucos aumentando nosso conhecimento sobre estas questões tão distantes no tempo, permitindo que contemos a história da vida animal em nosso planeta cada vez de forma mais detalhada.
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* De acordo com Dan E. Nilsson e Detlev Arendt (2008), a evolução dos olhos dependeu primeiro da evolução de sistemas moleculares fotossensíveis, seguido da evolução de estruturas celulares que empregassem estes sistemas moleculares e por fim de sistemas visuais compostos de vários componentes interligados celulares em que houvesse uma maior divisão entre as funções. Estes estágios teriam antencedido a evolução de olhos complexos capazes de forma imagens. Como todos os animais são capazes de perceber a luz acredita-se portanto que o ancestral comum de todos metazoários, conhecido como Urmetazoa, deveria já possuir algum tipo de célula fotorreceptora com alguma forma de opsina que transduziria o sinal luminoso em alterações nas correntes elétricas de uma membrana excitável, enquanto ancestral comum postulado entre os vertebrados e invertebrados com simetria bilateral, conhecido como Urbilateria, deveria já possuir tanto os receptores rabdoméricos como os ciliares e as c-opsinas e r-opsinas devendo ter se originando por duplicação gênica de uma opsina ancestral.

Durante muitos tempo se pensou que esses sistemas (células rabdiméricas e ciliares) eram característicos de cada grupo, vertebrados e invertebrados, mas hoje sabemso que ambos os tipos estão presentes de uma forma ou de outras nos sistemas visuais de vertebrados e invertebrados, mesmo que não desempenhem papéis diretos na fotorrecepção, tendo provavelmente sido cooptados após a separação das linhagens de invertebrados e vertebrados deuterostômios para diferentes papéis em cada sistema.
Nilsson DE, Arendt D. Eye evolution: the blurry beginning. Curr Biol. 2008 Dec
9;18(23):R1096-8. PubMed PMID: 19081043.
**Como já havíamos comentado em nosso facebook, a chamada 'explosão cambriana' é nome dado ao evento de rápida (em termos geologicos) diversificação e aumento da disparidade (uma medida da variabilidade dos padrões corporais geralmente associada com catergorias taxonômicas mais amplas, especialmente os filos) animal que marcou o começo o fanerozóico, cerca de 542 milhões de anos atrás, envolvendo especialmente grupos de animais bilaterais com partes duras (“esqueletizados”), como pode ser constato pelo registro fóssil. Muitas são as explicações possíveis para esse evento que, na realidade, deve ter levado cerca de 50 milhões de anos. Estes cenários e modelos causais podem ser divididas em duas categorias principais, os internos e os externos.
Como já mencionado, o primeiro tipo de cenários causais, os internos, advogam que a explosão da diversidade e disparidade teria sido deflagrada por uma inovação evolutiva que, por exemplo, tenha liberado as linhagens de organismos bilaterais de certas restrições genético-desenvolvimentais anteriores ou trazido significantes vantagens adaptativas. O segundo tipo de cenário, o externo, sugere que algo no ambiente tenha sido o pivô do evento, quem sabe, ao trazer novas oportunidades e recursos antes não disponíveis, como O2 em abundância ou algum tipo de nutriente. Como exemplo de causa externa podemos citar o recentemente publicado estudo da Nature de pesquisadores da University of Wisconsin-Madison que, empregando novos dados estratigráficos e geoquímicos, conseguiram mostrar que os primeiros sedimentos marinhos do período paleozóico – depositados entre 540-480 milhões de anos atrás - mostram uma expansão na área de águas rasas epicontinentais, registrando também padrões anormais de sedimentação química que, segundo os autores do artigo, indicariam um aumento da alcalinidade oceânica e do intemperismo químico da crosta continental. Estas alterações geoquímicas teriam sido causadas por um período prolongado de desnudação e exposição continental ocorrida durante o neoproterozóico. Esses eventos correlacionam-se muito estreitamente com extensa variação biótica ocorrida logo em seguida, sugerindo que o evento geológico poderia ter deflagrado o evento biológico que conhecemos como 'explosão cambriana'. Com base nessas informações, os autores deste estudo, concluíram que a 'explosão cambriana' poderia ter sido uma resposta evolutiva em paralelo de diversas linhagens animais em formação, presentes naquelas circunstâncias, ao aumento na concentração de diversos minerais liberados pela formação desta enorme superfície paleogeomórfica.
A liberação de minerais como o dióxido de silício, carbonato de cálcio e fosfato de cálcio teriam, assim, criado pressões ecológico-fisiológicas e físico-químicas com as quais as populações de organismos deste período teriam que conviver e eventualmente se adaptar (por exemplo, para manterem seu equilíbrio osmótico ou pH interno) e isso que teria dado origem ao extenso processo de evolução da biomineralização paralela que caracterizou a explosão cambriana. Mais tarde as vantagens da 'esqueletização' poderiam ter intensificado ainda mais o processo e acelerado a diversificação animal. Note que este e outros cenários não excluem outros, como os baseados na importância dos olhos, como inovação evolutiva que tenha promovido uma intensificação do processo de diversificação por causa da implicações desta características nas cada vez mais complexas relações ecológico-comportamentais. Na realidade talvez seja difícil imaginar que um único fator tenha sido o responsável por este evento.
Peters, Shanan E., Gaines, Robert R. Formation of the ‘Great Unconformity’ as a trigger for the Cambrian explosion. Nature, 2012; 484 (7394): 363 DOI: 10.1038/nature10969
***Essa ideia geral também é postulada como causa inicial da explosão cambriana, mas nesse caso a resposta evolutiva das presas envolveria a 'esqueletização', ou seja, os animais e linhagens com carapaças duras (como conchas calcárias, exosqueletos quitinosos e mesmos placas ósseas) seriam favorecidos, em um mundo em que os predadores poderiam detectar a distância e com facilidade as suas presas. A chamada hipótese do 'interruptor de luz' foi proposta originalmente pelo zoológo Andrew Parker. De qualquer maneira, alguns cientistas acreditam que a evolução da visão tenha sido crucial nesses períodos inciais do boom da diversificação animal e que esses eventos possam ser testados ao analisarmos os padrões de diversificação dos taxons ao longo do tempo, comparando as linhagens com vários níveis de capacidades visuais e mesmo sem visão alguma.
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Referências:
Aberhan, M., Nürnberg, S., & Kiessling, W. (2012). Vision and the diversification of Phanerozoic marine invertebrates Paleobiology, 38 (2), 187-204 DOI: 10.1666/10066.1
Créditos das Figuras:
SINCLAIR STAMMERS/SCIENCE PHOTO LIBRARY
JAMES KING-HOLMES/SCIENCE PHOTO LIBRARY
NATURAL HISTORY MUSEUM, LONDON/SCIENCE PHOTO LIBRARY